Entrevista com Leonardo Boff
Ao se confessar surpreso com a consciência ecológica do povo das CEBs que estão participando do 12º Encontro Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base, que termina amanhã, em Rondônia, o teólogo Leonardo Boff reconhece que “embora pequenos, eles podem produzir efeitos significativos”. Na entrevista que concedeu por telefone ao IHU On-Line, direto do evento, Boff afirma que “a humanidade tem que descobrir outro caminho de produção, de consumo, com outros valores de convivência, porque, senão, vamos ao encontro do pior”. Entusiasmado com o encontro, ele declara: “nós vamos lutar, porque a causa é verdadeira, contamos com Deus e com a natureza, que está do nosso lado”.
Renomado teólogo brasileiro, Leonardo Boff foi um dos criadores da Teologia da Libertação. Ele é professor de Ética, Filosofia da Religião e Ecologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. É autor de mais de 60 livros nas áreas de teologia, espiritualidade, filosofia, antropologia e mística, entre os quais citamos Ecologia: grito da terra, grito dos pobres (São Paulo: Ática, 1990); São Francisco de Assis. Ternura e vigor (8. ed. Petrópolis: Vozes, 2000); Ética da vida (Rio de Janeiro: Sextante, 2006); e Virtudes para outro mundo possível II: convivência, respeito e tolerância (Petrópolis: Vozes, 2006).
Agradecemos o apoio da Rede de Cristãos.
Confira a entrevista:
IHU On-Line – Qual a visão da Amazônia que está sendo passada neste 12º Encontro Intereclesial das CEBs? Qual o principal grito que se escuta?
Leonardo Boff – A visão que estão passando é de perplexidade e de esperança. Perplexidade por causa dos muitos gritos que vêm em função das mineradoras, do agronegócio, das hidrelétricas, das grandes estradas que estão sendo abertas. Com isso, o povo se sente meio impotente diante do grande capital mundial, unido com o capital nacional. Por outro lado, há uma esperança. As populações ribeirinhas, as comunidades de base, junto com outros grupos, resistem, fechando as estradas – como fizeram com a hidrelétrica de Jirau – e obrigando as mineradoras a negociar. Praticamente todas as igrejas da Amazônia, não só a católica, mas a luterana e as outras, estão apoiando a resistência e a tomada de consciência sob a responsabilidade de preservar a Amazônia. A vocação da região não é o agronegócio ou a criação de gado, mas é se manter de pé, para o equilíbrio climático de toda a humanidade.
IHU On-Line – Qual a contribuição das CEBs em relação ao tema da ecologia? Qual é sua missão nesse sentido?
Leonardo Boff – Naquilo que pude captar até o momento neste encontro, apareceu muito a ideia de que as Comunidades Eclesiais de Base estão se transformando em comunidades ecológicas de base. Elas incorporam a consciência ecológica, defendem as florestas, são contra o desmatamento, cuidam das nascentes e das águas, procuram evitar os transgênicos, resistem e criticam. É a mesma postura da Ir. Dorothy Stang. Eles estão nesse tipo de linha. Para mim, está sendo uma grande surpresa. Eu não sabia que eles já tinham uma consciência ecológica desenvolvida do problema. Embora pequenos, podem produzir efeitos significativos. E isso é muito importante, pois é simplesmente avassaladora a presença do capital, com sua lógica de acumulação de riqueza, sacrificando as populações originárias e os pequenos camponeses.
IHU On-Line – Como o senhor tem sentido o evento até então? Como caracteriza a força que emerge do povo participante?
Leonardo Boff – O interessante é que, apesar das lutas e do sofrimento, há um entusiasmo fantástico, uma alegria, uma capacidade de celebração e uma esperança da pequena semente. Somos poucos, mas somos a energia que a semente tem dentro de si: que é a árvore, com o tronco, as folhas, flores e frutos. Nós vamos lutar, porque a causa é verdadeira, contamos com Deus e com a natureza, que está do nosso lado. É preciso resistir e obrigar os que não pensam como nós a mudar as estratégias, para que não sejam tão destruidoras. E se nós não podemos mudar os projetos, podemos mudar a maneira como são feitos.
IHU On-Line – Como os problemas conjunturais de Rondônia aparecem nesse encontro, por exemplo, as barragens, as hidrelétricas e a situação dos encarcerados no presídio Urso Branco?
Leonardo Boff – Esses problemas aparecem sempre na forma de crítica. Em primeiro lugar, ninguém da população local foi consultado. São projetos que o capital nacional e internacional fazem, deslocando populações, passando por cima delas, que são tradicionais e estão há dezenas de gerações aí, como os indígenas, quilombolas e camponeses. Todos eles são muito críticos e se sentem impotentes, porque a luta é muito desigual. Mas nós não vamos desistir, porque nossa causa é verdadeira. Vamos impor limites a essas pessoas que representam o capital. O povo daqui também lamenta que o governo não dá muita atenção a eles, fazendo políticas sociais de saúde, de educação e integração. No entanto, a Bolsa Família é importante, é preciso ser dito.
IHU On-Line – Como o senhor vislumbra o futuro da humanidade sob o enfoque das CEBs?
Leonardo Boff – Pessoalmente, vejo que estamos em um momento de viragem. A humanidade tem que descobrir um outro caminho de produção, de consumo, com outros valores de convivência, porque, senão, vamos ao encontro do pior. As Comunidades de Base são um pequeno ensaio do que pode ser o futuro: relações de cooperação, mais diretas e democráticas, com um respeito maior à natureza. Quando pescamos e muitos não têm peixe, a gente divide. Outros não; pegam e vendem, para poder ter lucro. Há um senso de alternativa que eles estão vivendo aqui. E esse pequeno é a fonte do que será o futuro da humanidade. Não porque nós queremos ou não queremos, mas porque essa é a alternativa. Ou fazemos isso ou vamos ao encontro de uma tragédia ecológica e humanitária.
IHU On-Line – Como combater a cultura de consumo? Em que medida podemos pôr em prática os três “Rs” da Carta da Terra (Reduzir, Reutilizar e Reciclar) em uma sociedade atrelada à macroeconomia e à cultura do crescimento econômico?
Leonardo Boff – O sistema global entrou em colapso e essa é a nossa vantagem. Ele não consegue continuar mediante controles e modificações. Esse sistema não tem futuro. Temos que descobrir uma forma mais simples, de ser mais com menos, de começar já com cada pessoa. Eu não posso mudar o mundo, mas posso mudar meu corpo, posso fazer o que chamamos de revolução molecular. A soma de energia que as pessoas vão fazendo por necessidade, e muitas pela opção de um consumo mais simples, de pobreza voluntária, de comedimento são ações que estão criando as bases para um novo tipo de civilização mais adequado aos limites da terra, e que vão garantir o futuro da humanidade e da natureza, além dos outros seres que também precisam da biosfera.
IHU On-Line – Qual o papel da Teologia da Libertação, hoje, em relação ao debate sobre a crise ambiental?
Leonardo Boff – A Teologia da Libertação, que sempre escutou os gritos dos oprimidos, tem que escutar agora o grito da terra, das águas, da natureza. Dentro da opção pelos pobres, é preciso incluir o grande pobre, que é a natureza, a terra. Se nós não salvarmos esse planeta, que é a única casa comum que temos, nós definitivamente vamos pelo caminho já percorrido pelos dinossauros. A Teologia da Libertação deve ajudar a libertar a terra; uma terra crucificada, que tem que ser baixada da cruz, tem que ser ressuscitada. Isso pertence ao novo desafio da Teologia da Libertação, que precisa ser uma ecoteologia da libertação, integrando natureza e humanidade.
Leonardo Boff, hoje casado e pai de seis filhos, é autor de mais de 60 livros
Neto de pobres imigrantes italianos, Leonardo Boff entrou para a Ordem dos Franciscanos em 1959. Em 1970, tornou-se doutor em Teologia pela Universidade de Munique, na Alemanha. Durante mais de duas décadas foi professor de Teologia Sistemática no Rio de Janeiro e em universidades de Portugal, Espanha, Suíça e até na prestigiosa Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.
Leonardo Boff foi um precursor do que hoje se entende por Direitos Humanos. Esteve à frente das primeiras reflexões que resultaram num discurso indignado contra a miséria que durante séculos massacrou a América Latina - discurso que logo receberia o nome de Teologia da Libertação.
Em 1984, por causa de suas teses libertárias, foi submetido a um violento processo pelo Vaticano. Sentado na mesma cadeira onde um dia sentou-se Galileu Galilei, Leonardo foi condenado ao silêncio, além de deposto das funções que exercia. Foi proibido de ensinar, dar entrevistas e publicar seus livros. Quem o condenou pessoalmente a esse calvário foi um cardeal hoje conhecido como Papa Bento 16.
O mundo reagiu e o Vaticano teve que voltar atrás devolvendo a Leonardo algumas de suas funções. Em 1992, de novo ameaçado com uma segunda punição pelas autoridades de Roma, Leonardo renunciou às suas atividades de padre e se tornou um leigo. Mudou de trincheira para continuar a mesma luta.
Hoje casado e pai de seis filhos, Leonardo vive numa reserva ecológica em Petrópolis. Aos 70 anos, autor de mais de 60 livros, a maioria traduzida nos principais idiomas modernos. Pela primeira vez em muitos anos, Leonardo Boff recorda nesta entrevista as atrocidades do julgamento a que foi submetido há 20 anos e de sua luta em defesa do meio ambiente e do planeta terra, nossa casa comum ameaçada de extinção.
Confira abaixo trechos da entrevista e no áudio a entrevista completa.
Marco Lacerda: No túmulo do seu pai está escrito um epitáfio que parece ter sido sempre o lema da sua vida. Qual é mesmo esse epitáfio?
Leonardo Boff: “Quem não vive para servir não serve para viver” - ele viveu estas palavras coerentemente, sempre servindo todo mundo como professor, juiz de paz e assistente social. Como não havia médicos na região - pois era uma região de desbravamento - muita gente morria. Ele conseguia penicilina e corria para lá, e eu, como era o menino maior, o acompanhava. Aquelas penicilinas salvaram muita gente. Meu pai era um agente altamente mobilizador de toda comunidade. Ele reunia todas as famílias após o rosário e obrigava cada um a ler um livro, contar o que estava lendo (assim eles já aprendiam o português) e fazia rodas de costura.
Marco: Leonardo, já se vão quase 25 anos desde a sua condenação, em 1984, a um silêncio obsequioso, imposto pelo Vaticano, por suas posições em relação à Teologia da Libertação. Olhando pra trás e revendo a história, qual é a sua percepção hoje de tudo o que te aconteceu?
Boff: A minha geração, e eu pessoalmente, nós fizemos “por ser” condenados, isto é, levantamos questões importantes. Acreditamos que a libertação não é só na sociedade, deve ser dentro da Igreja. Uma Igreja que quer ser anunciadora de libertação, só fará com legitimidade esse anúncio e atuará de forma libertadora se ela mesma for um espaço de liberdade, dando mais participação aos leigos, resgatando as mulheres. A sociedade moderna democrática é mais próxima ao sonho de Jesus do que a Igreja. Coloquei os pontos claros onde a Igreja poderia mudar e nunca foram escutados. Uma Igreja para os tempos modernos de globalização, em processo de libertação com a América Latina, deveria acompanhar a história e não ser uma fonte de águas mortas. Deveria ser uma fonte de águas vivas, que se atualize e anime os processos sociais, uma coisa boa para a comunidade. O Vaticano escutou isso e o cardeal Ratzinger disse: ‘olha, isso não se resolve por cartas, você vai ter que vir aqui e sentar na cadeirinha de Galileu Galilei’. E foi o que ocorreu mesmo.
Marco: Apesar de usar o nome "silêncio obsequioso", que quer dizer "respeitoso", a medida foi extremamente dura. Como foi o processo de inquisição ao qual você foi submetido?
Boff: O Vaticano usa eufemismos para atos extremamente violentos. Determinam deposição de cátedra, castigam, exigem silêncio, depois te transferem lá pro Alasca, depois pro Congo. A Igreja institucional (não falo a Igreja como comunidade, como herdeira de Jesus) me refiro à Igreja como direção. Padres são extremamente rígidos, duros, não perdoam muito e cobram tudo. Então, esse ‘silêncio obsequioso’ foi um silêncio penitencial que me impuseram. Para mim, significou deposição de cátedra, não poderia ser mais professor; deposição de um dos diretores da Voz, que na época já era uma das maiores editoras brasileiras. Fui deposto também da direção de duas revistas, uma que todo o clero assina - a Revista Eclesiástica Brasileira. Em resumo: não podia dar aula, não podia falar publicamente, não podia escrever nem publicar, não podia dar entrevista. E uma coisa curiosa. Dom Paulo Evaristo, que foi cardeal de São Paulo e meu professor aqui em Petrópolis, se encontrou com o Papa João Paulo II alguns meses depois e disse: ‘Santidade, o senhor fez com meu aluno Boff aquilo que os militares fizeram no Brasil. O senhor fechou a boca dele’. O papa respondeu: ‘eu, como os militares, nunca! Liberta esse homem’. Doze meses depois, me liberaram.
Marco: Coincidentemente, você foi condenado ao silêncio justamente pelo cardeal Josef Ratzinger que na época era responsável pela doutrina da fé na Igreja Católica e que hoje é o papa Bento 16. Qual é a sua avaliação do pontificado dele depois de três anos no cargo?
Boff: Josef Ratzinger, o teólogo, era muito amigo meu. Fomos colegas, fiz meus estudos na Alemanha e ele era professor em uma cidade perto, Freising. Depois foi para outra cidade, mas vinha muito à universidade, dava palestras, era um teólogo inteligente e uma pessoa extremamente fina, elegante, nunca alterava a voz. De repente, ele foi transformado como Cardeal de Munique, ficou alguns meses e foi levado a Roma. Lembro que escrevi uma carta a ele dizendo que a teologia estava em glória, porque tinha como chefe um eminente teólogo e nós poderíamos trabalhar com liberdade e alegria. Para minha surpresa, 15 dias depois, recebo uma carta dele dizendo: ‘olhando os arquivos da congregação, eu me dou conta que tem várias perguntas que você tem que responder de vários livros, e espero que você responda logo’. E pensei: ‘gente, esse homem mudou’.
Marco: Foi então que ele se tornou o responsável pela Doutrina da Fé e começou todo o processo contra você?
Boff: Foi, começou o processo e não parou mais. Em 1985, o Papa disse ‘larguem, deixem ele pra lá’, ai fui libertado e comecei a falar, a assumir tudo, dar palestras, escrever. Até que, durante a Eco 92, participei de uma mesa com o Dalai Lama e falei que as religiões abraâmicas - o judaísmo, o cristianismo e o islamismo - são as religiões mais belicosas do mundo, que fazem guerra de grande devastação. Disse também que o cristianismo tem dificuldade em pregar a paz porque ele tem setores fundamentalistas. É para os elitistas, quer converter todo mundo. Na América Latina, converteu com a cruz e a espada, matando milhares de indígenas. E lá no auditório havia um cardeal - Cardeal Baggio - que havia sido núncio aqui e era um espião do vaticano. Quando acabou a palestra, ele me chamou e disse: - Bom, vejo que você não aprendeu nada dos castigos e terá que sair da América latina. Respondi: - Olha eminência, eu posso até ir, mas vou como teólogo, para ensinar, para falar, escrever e trabalhar. E ele disse: - Não, não, você fica quieto num convento. Neguei novamente: - Cardeal, não vou. Aceitei o silêncio porque era um gesto de humildade. Agora isso é uma humilhação. Humilhação é pecado e eu não aceito. Essa conversa aconteceu ao meio dia e, segundo ele, eu teria 24 horas para decidir. Mas logo avisei: ‘está decidido. Não vou para lá’. Então ele disse: ‘siga o seu caminho’. Lastimavelmente, tive que tomar esta decisão, sair do convento e renunciar ao ministério de padre. Mas logo na semana seguinte, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro me concedeu uma cátedra para eu ensinar o que eu quisesse e levar adiante minha missão.
Marco: No pontificado de João Paulo II perto de 150 teólogos foram silenciados por defenderem, como você, idéias inovadoras que batiam de frente com o Vaticano. Como é possível que esse tipo de cerceamento seja praticado até hoje pela Santa Sé?
Boff: Eles estão em permanente disputa, guerra, conflito, e se fecharam sobre si mesmos. Querem construir uma Igreja para dentro, como uma grande fortaleza. Dessa forma, a Igreja vira uma ilha, fica irrelevante na história. Ela está mais próxima dos palácios dos Césares e muito longe da barca de São Pedro. Este é um erro histórico fatal, que mostra a falta de teologia, a fraqueza de cabeça e de inteligência. Uma Igreja que tem medo é uma Igreja que não tem fé. E ela tem medo tudo. Essa visão faz com que os teólogos que dialogam com a sociedade moderna (e por isso dão uma visão mais global do universo) sejam vistos como criminosos, que colocam a fé em risco. Eu, Gustavo Gutierrez e outros 150, que viemos do mundo moderno, da universidade e dialogamos com a fé, fomos condenados injustamente por dar novo rosto à Igreja. Essas condenações só atrasam a Igreja, que se transforma em ‘crepuscular’ e ‘velha’, sem atrativos para a humanidade.
Marco: Um assunto em perpétuo debate é a questão do celibato. Existe hoje muita gente insatisfeita dentro da Igreja por causa do celibato. E muita gente fora que poderia entrar e não entra por causa disso. Qual a importância do celibato pra quem está dentro da Igreja e pra quem está fora?
Boff: O celibato é uma invenção da Igreja. Jesus não impôs celibato a ninguém, os 12 apóstolos eram todos casados - talvez um não fosse, São João. O celibato entrou de forma lenta e tardia na Igreja, e se tornou obrigatório mesmo só no século XVI, com o Concílio de Trento. A sociedade européia era toda agrária e os padres eram camponeses, que precisavam de mão-de-obra para ajudar no campo. Não havia seminários, eles foram criados depois de 1500. Então o padre gerava os seus filhos para o trabalho no campo e os educava para ser coroinha, leitor, diácono, subdiácono. O mais bem preparado virava padre. E a Igreja funcionava tranqüilamente assim. Só que, para os cargos de bispo, eram escolhidos os monges, religiosos que faziam voto de castidade. Então, o celibato surgiu historicamente. E por ter surgido dessa forma, também pode desaparecer historicamente. A Igreja mantém a prática por razões que não são muito claras. Acredito que seja por comodidade, porque um funcionário que é celibatário você pode tirar de Petrópolis, transferir para Belo Horizonte e de lá para o Acre. Ele está sozinho, não tem família, então não tem problema. Agora isso não é digno, acho que o celibato é possível como decisão pessoal. Se alguém quiser ser celibatário e padre é ótimo, que seja. A pessoa fica mais disponível, integra a sua maneira o masculino e o feminino, devemos respeitar isso. O que eu questiono é a imposição da lei do celibato para todos aqueles que querem servir a Igreja como padres. Essa imposição não é legítima, restringe demais e não tem fundamento evangélico. Respeitamos que haja celibato por opção. O importante é que a pessoa possa servir à comunidade e exercer sua missão religiosa de anunciar o evangelho. Possivelmente, fará isso com muito mais experiência sendo casado do que vivendo como celibatário.
Marco: É sabido que a grande força que move a Igreja são as mulheres e, no entanto, as portas estão fechadas para mulheres que querem tornar-se sacerdotes. Você acha que essa situação um dia vai mudar?
Boff: Um dia, a crise na Igreja será tão grande que ela será obrigada a se abrir às mulheres. Não por vontade, mas porque não tem saída. Se olharmos, quem leva de fato o grosso do trabalho da Igreja são as mulheres. Elas constituem mais da metade da Igreja e são as mães e as irmãs da outra metade. Tenho até uma razão teológica para dizer que elas deveriam ser consagradas: primeiramente, elas nunca traíram Jesus. Em segundo lugar, o fato maior do cristianismo não é a morte de Cristo na cruz, é a ressurreição. E as testemunhas da ressurreição foram as mulheres.
Só por isso, elas deveriam ser padres, bispos, até papa, e não são. Mas o dia vai chegar.
Entrevista realizada pelo jornalista Marco Lacerda no programa FrenteVerso, que vai ao ar aos domingos, às 21h, pela Rádio Inconfidência FM (100,9), de Belo Horizonte.
Leonardo Boff e a ética da vida
Ministro Patrus Ananias participa de evento sobre a obra do teólogo franciscano, em celebração aos seus 70 anos, e destaca seu compromisso com os pobres
Bruno Spada /MDS
O ministro Patrus resumiu a obra de Leonardo Boff (à dir) em quatro dimensões: social, ecológica, ecumênica e ética.
Um profeta. Um sábio. E um santo. Assim o ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias, descreveu Leonardo Boff, durante debate no projeto Sempre um Papo, realizado nesta terça-feira (9/6), em Belo Horizonte (MG), em torno do lançamento do livro Leituras Críticas sobre Leonardo Boff, com a presença do teólogo. O ministro é autor de um dos artigos que compõem o livro, organizado pelo professor Juarez Guimarães, do Departamento de Ciência Política da UFMG. O livro integrou celebrações pelos 70 anos de Boff.
Patrus Ananias destacou principalmente a proximidade de Leonardo Boff com a realidade brasileira e o compromisso dele com os pobres, dentro da tradição franciscana. Essa característica havia sido destacada por Alceu Amoroso Lima, que afirmou, em conversa com Leonardo Boff, que a geração à qual ele pertencia tinha ido ao coração dos pobres.
O ministro Patrus resumiu a obra de Leonardo Boff em quatro dimensões. Além da dimensão social, a dimensão ecológica, a ecumênica e a ética. Sobre a ética de Boff, ele disse: “É uma dimensão que engloba as duas primeiras (social e ecológica) e extrapola a questão moralista. Leonardo Boff vivencia uma ética da vida, buscando aquilo que possibilita florescer a vida”.
Um teólogo que acredita nos homens – Clique aqui para ler a íntegra
Paixão, morte e vida
Tem dias e semanas que condensam o tempo. A última semana foi destas. Semana encantada.
Segunda, 22, o presidente Lula assinou Decreto de criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena, no Ministério da Saúde, reivindicação histórica.
Terça, no II Salão dos Territórios Rurais, em Brasília, houve um painel com o tema Desenvolvimento, Território e Democracia. Tânia Bacelar, economista da Universidade Federal de Pernambuco, falou da necessidade de um novo modelo de desenvolvimento. "A terra não agüenta o ‘american way of life’ - modo americano de viver. E é preciso pensar num mundo rural com gente, não com máquinas."
O economista francês Ignacy Sachs disse que estamos na terceira grande crise mundial. Há um duplo desafio no século XXI: ambiental e social, com o tema da desigualdade. O desenvolvimento deve ser includente, sustentável e solidário. Segundo ele, a experiência dos Territórios da Cidadania é sem comparação no mundo. E chamou a atenção para 2012, quando vai acontecer, vinte anos depois da Rio-92, a nova Cúpula Mundial da Terra no Rio de Janeiro, momento decisivo para o Brasil e o mundo.
O italiano Carlo Petrini, fundador do Movimento Slow Food, clamou por um novo humanismo. Há uma crise de perda de sentido. É preciso reduzir o desperdício. "Não precisamos de consumidores, mas de cidadãos".
Quarta, a convite da Fundação Banco do Brasil, Leonardo Boff falou sobre Ética, Espiritualidade e Trabalho. Leu a Carta da Terra, que tem sua forte contribuição. E lembrou como em setembro de 2009, ele e Evo Morales, presidente da Bolívia, defenderam na ONU que se usasse a expressão Mãe Terra nos documentos em vez de apenas Terra. "Pode-se comprar, vender, explorar a terra. Mas a mãe cuida, ama. Por isso, Mãe Terra". 192 países, por unanimidade, aprovaram a mudança.
Ainda na quarta, o Presidente Lula e ministros da área social discutiram a proposta de Consolidação das Leis Sociais, ainda em formatação, para assegurar aos pobres e trabalhadores políticas públicas e sociais que defendam seus interesses e necessidades. E, com a presença do presidente, houve a premiação de experiências exitosas que buscam atingir os ODM -Objetivos do Milênio- até 2015, a maioria já cumpridos no Brasil.
À noite, em celebração tocante na CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - foi rememorado D. Oscar Romero, Cardeal de El Salvador, assassinado há 30 anos por sua luta pela justiça e por uma América Latina onde reinem a solidariedade e a partilha.
Quinta, na entrega do Prêmio Rosani Cunha de Desenvolvimento Social - Ações Integradas para Proteção e Promoção Social -, companheira militante e Secretária de Renda de Cidadania do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, que morreu de acidente ano passado na Argentina, o ministro Patrus Ananias falou que o direito fundamental é o direito à vida, que também significa direito à alimentação, à educação de qualidade, ao trabalho, à água potável. No mundo de hoje, o que tem valido na prática é o direito à propriedade. Patrus disse que não se pode deixar que as pessoas morram. "É não deixar morrer. É preciso dizer: esse vamos manter vivo. O mistério da ressurreição." Quando havia dúvida sobre algum programa, Rosani dizia: ‘Mas é para os pobres, ministro’. "O que acomoda as pessoas não é o Bolsa Família. O que acomoda é a fome. O Ministério de Desenvolvimento Social é de combate à fome, até se transformar em Ministério de combate à pobreza e um dia será apenas Ministério de Desenvolvimento Social."
Sexta, o V Encontro Nacional do Programa Escolas-Irmãs, ligado ao Gabinete Pessoal do Presidente da República. Mais de 200 pessoas de quase todo Brasil trocaram experiências, solidariedade, convivência. O escocês Liam Kane lembrou de Paulo Freire e de sua influência na educação brasileira, latino-americana e mundial.
A semana em que estamos condensa a história. Quinta-feira, a partilha do pão feita por Jesus ao redor da mesa com os irmãos, irmãs, companheiros e companheiras. Sexta, o sofrimento de quem é torturado por sua pregação, suas parábolas, seus milagres, seus sonhos, seu Reino. E é morto na cruz como se ladrão fosse. Depois, (re)aparece vivo na memória, nos gestos, nas palavras, na esperança de um mundo de paz, de justiça, de fraternidade.
Felizmente, alguns momentos, dias, semanas tornam mais fácil e saboroso o viver. As crises são oportunidade de se pensar e construir o novo. Passa-se pela paixão, sofrem-se mortes, mas o tempo da vida e da luz sempre acontece. O novo sempre vem, na nossa vida, na comunidade, na história.
O mundo hoje é de paixão, sofrimento e morte para muita gente, especialmente pobres e trabalhadores. Mas ninguém pode ou deve renunciar à possibilidade do Aleluia e da Ressurreição.
Entrevista com o teólogo Leonardo Boff “ Somos seres de luz”
Nosso primeiro berço foram as estrelas
O que é a luz?
A luz constitui um dos maiores mistérios do universo. Somente entendendo-a ao mesmo tempo como partícula material e como onda energética podemos ter uma compreensão mais ou menos adequada dela. Hoje sabemos que todos os seres vivos emitem luz, biofotons, a partir das células da DNA. Por isso todos irradiam certa aura.
Há razão para tanto simbolismo em relação à luz e as estrelas como o sol?
Não é sem razão que a luz e o sol se tornaram símbolos poderosos de tudo o que é positivo e vital. Especialmente o sol irradiante é visto como o grande arquétipo do herói e do lutador que vence as trevas com os monstros que nelas eventualmente se escondem. Sua aparição a cada manhã não é uma repetição, mas toda vez uma novidade, pois é sempre diferente. É um teatro cósmico que começa como se Deus dissesse ao sol a cada manhã:“Vamos, tente mais uma vez! Renove teu nascimento! Irradie tua luz em todas as direções e sobre todos”.
Há algum paralelismo especial entre o movimento do sol e a vida humana?
Fazia-se e faz-se ainda hoje a impressionante experiência de que o Sol com seus raios de luz, nasce como uma criança. Na medida em que sobe no firmamento, vai crescendo como um adolescente até chegar à idade adulta ao meio-dia. Pela tarde vai definhando até ficar velho e morrer atrás da linha do horizonte. Mas, passada a noite, ele volta a nascer, limpo, brilhante, sorridente como uma criança. Como não celebrá-lo festivamente? Como não entendê-lo como sinal da Realidade originadora de todas as coisas?
A metáfora mais poderosa de Deus é o sol e a luz. Por que?
De fato, ele é uma imagem poderosa de Deus como o cantou São Francisco em seu “Cântico ao Irmão Sol”. Nenhuma metáfora da divindade é mais poderosa que a da luz e a do Sol. A própria experiência da luz fez surgir a palavra Deus. Ela deriva de di em sânscrito que signfica brilhar e iluminar. De di veio “dia” e “Deus”, como expressão de uma experiência de luz e de iluminação.
Qual a razão de Jesus se apresentar como luz?
Como diz São João: ”Deus é luz” (1Jo 1,5). “Ele habita”, no dizer de São Paulo “numa luz inacessível”(1Tim 6,16). Jesus se auto-apresenta como luz: “Eu, a luz, vim ao mundo para que todo aquele que crê não ande nas trevas”(Jo 12,46) O Verbo encarnado é “vida e luz dos homens”, “luz verdadeira que ilumina todo o ser humano que vem a este mundo”(Jo 1.4.9). Por isso é com razão apresentado como “a luz do mundo”(Jo 9,5). Os que aderem a Cristo como luz devem viver “como filhos da luz”(Ef 5,8). E “os frutos da luz é tudo o que é bom, justo e verdadeiro”(Ef 5,9). Mais ainda. Cada seguidor deve ser também “luz do mundo”(Mt 5,14).
E quanto a nós?
Nós todos somos seres de luz. Fomos formados originalmente no coração das grandes estrelas vermelhas, há bilhões de anos. Carregamos luz dentro de nós, no corpo, no coração e na mente. Especialmente a luz da mente nos permite compreender os processos da natureza e penetrar no íntimo das pessoas até no mistério luminoso de Deus.
Duas cosmologias em conflito.
O prêmio Nobel de Economia, Joseph Stiglitz, disse recentemente que o legado da crise econômico-financeira será um grande debate de idéias sobre o futuro da Terra. Esse debate se dará em torno das duas cosmologias em conflito no cenário da história. Por Leonardo Boff na Carta Maior. Leonardo Boff é teólogo e escritor.
O prêmio Nobel de Economia, Joseph Stiglitz, disse recentemente: “O legado da crise econômico-financeira será um grande debate de idéias sobre o futuro da Terra”. Concordo plenamente com ele. Vejo que o grande debate se dará em torno das duas cosmologias em conflito no cenário da história. Por cosmologia entendemos a visão do mundo – cosmovisão – que subjaz às idéias, às práticas, aos hábitos e aos sonhos de uma sociedade. Cada cultura possui sua respectiva cosmologia. Mediante ela, se procura explicar a origem, a evolução e o propósito do universo, a definição do lugar do ser humano dentro dele.
A nossa cosmologia atual é a da conquista, da dominação, da exploração do mundo, com vistas ao progresso e ao crescimento ilimitado.
Caracteriza-se por ser mecanicista, determinista, atomística e reducionista. Por causa desta cosmovisão, criaram-se inegáveis benefícios para a vida humana, mas também contradições perversas como o fato de 20% da população mundial controlar e consumir 80% de todos os recursos naturais, gerando um fosso entre ricos e pobres como nunca antes houve na história. A metade das grandes florestas já foi destruída, 65% das terras cultiváveis foram perdidas, cerca de 5 mil espécies de seres vivos desaparecem anualmente e mais de mil agentes químicos sintéticos, a maioria deles tóxicos, são espalhados pelo solo, ar e águas.
Construíram-se armas de destruição em massa, capazes de eliminar toda vida humana. O efeito final é o desequilíbrio do sistema-Terra que se expressa pelo aquecimento global. Com os gases já acumulados, em 2035, chegaremos fatalmente a um aumento de 2 graus centígrados, e, se nada for feito, segundo algumas previsões, no final do século serão 4 ou 5 graus, o que tornará a vida, tal como a conhecemos hoje, praticamente impossível.
O predomínio dos interesses econômicos, especialmente os especulativos, capazes de reduzir países inteiros à mais brutal miséria, e o consumismo trivializaram nossa percepção do perigo que vivemos e conspiram contra qualquer mudança de rumo.
Em contraposição, está aparecendo com força cada vez maior uma cosmologia alternativa e potencialmente salvadora. Ela já tem mais de um século de elaboração e alcançou sua melhor expressão na Carta da Terra.
Ela deriva das ciências do universo, da Terra e da vida e situa nossa realidade dentro da cosmogênese, aquele imenso processo evolutivo que iniciou no big bang, há cerca de 13,7 bilhões de anos. O universo está continuamente expandindo-se, organizando-se e auto-criando-se. Seu estado natural é a evolução e não a estabilidade, a transformação e a adaptabilidade e não a imutabilidade e a permanência. Ele relaciona-se em redes e não existe nada fora desta relação. Por isso todos os seres são interdependentes e colaboram entre si para evoluir juntos e garantir o equilíbrio de todos os fatores. Por trás de todos os seres atua a Energia de fundo que deu origem e anima o universo e faz surgir novas criações. A mais espetacular delas é a Terra viva e nós, os seres humanos, como a porção consciente e inteligente dela, com a missão de cuidá-la.
Vivemos tempos de urgência. O conjunto das crises atuais está criando uma espiral de necessidades de mudança que, se não forem implementadas, nos conduzirão fatalmente ao caos coletivo, mas que se forem assumidas, poderão nos elevar a um estágio mais alto de civilização.
E é neste momento que a nova cosmologia se revela inspiradora. Ao invés de dominar a natureza, nos situa no seio dela em profunda sintonia e sinergia. Ao invés de uma globalização niveladora das diferenças, nos sugere o biorregionalismo que valoriza as diferenças. Este modelo procura construir sociedades autosustentáveis dentro das potencialidades e dos limites das biorregiões, baseadas na ecologia, na cultura local e na participação das populações, respeitando a natureza e buscando o “bem viver” que é a harmonia entre todos e com a mãe Terra.
O que caracteriza esta nova cosmologia é o cuidado em lugar da dominação, o reconhecimento do valor intrínseco de cada ser e não sua mera utilização humana, o respeito por toda a vida e os direitos e a dignidade da natureza e não sua exploração.
A força desta cosmologia reside no fato de estar mais de acordo com as reais necessidades humanas e com a lógica do próprio universo. Se optamos por ela, se criará a oportunidade de uma civilização planetária na qual o cuidado, a cooperação, o amor, o respeito, a alegria e a espiritualidade terão centralidade. Será o grande giro salvador de que necessitamos urgentemente.
A saudade do servo na velha diplomacia brasileira
O filósofo F. Hegel em sua Fenomenologia do Espírito analisou detalhadamente a dialética do senhor e do servo. O senhor se torna tanto mais senhor quanto mais o servo internaliza em si o senhor, o que aprofunda ainda mais seu estado de servo.
A mesma dialética identificou Paulo Freire na relação oprimido-opressor em sua clássica obra Pedagogia do oprimido. Com humor comentou Frei Betto: "em cada cabeça de oprimido há uma placa virtual que diz: hospedaria de opressor". Quer dizer, o opressor hospeda em si oprimido e é exatamente isso que o faz oprimido. A libertação se realiza quando o oprimido extrojeta o opressor e ai começa então uma nova história na qual não haverá mais oprimido e opressor mas o cidadão livre.
Escrevo isso a propósito de nossa imprensa comercial, os grandes jornais do Rio, de São Paulo e de Porto Alegre, com referência à política externa do governo Lula no seu afã de mediar junto com o governo turco um acordo pacífico com o Irã a respeito do enriquecimento de urânio para fins não militares. Ler as opiniões emitidas por estes jornais, seja em editoriais seja por seus articulistas, alguns deles, embaixadores da velha guarda, reféns do tempo da guerra-fria, na lógica de amigo-inimigo é simplesmente estarrecedor.
O Globo fala em "suicídio diplomático"(24/05) para referir apenas um título até suave. Bem que poderiam colocar como sub-cabeçalho de seus jornais:"Sucursal do Império" pois sua voz é mais eco da voz do senhor imperial do que a voz do jornalismo que objetivamente informa e honestamente opina. Outros, como o Jornal do Brasil, tem seguido uma linha de objetividade, fornecendo os dados principais para os leitores fazerem sua apreciação.
As opiniões revelam pessoas que têm saudades deste senhor imperial internalizado, de quem se comportam como súcubos. Não admitem que o Brasil de Lula ganhe relevância mundial e se transforme num ator político importante como o repetiu, há pouco, no Brasil, o Secretário Geral da ONU, Ban-Ki-moon. Querem vê-lo no lugar que lhe cabe: na periferia colonial, alinhado ao patrão imperial, qual cão amestrado e vira-lata. Posso imaginar o quanto os donos desses jornais sofrem ao ter que aceitar que o Brasil nunca poderá ser o que gostariam que fosse: um Estado-agregado como é Hawai e Porto-Rico. Como não há jeito, a maneira então de atender à voz do senhor internalizado, é difamar, ridicularizar e desqualificar, de forma até antipatriótica, a iniciativa e a pessoa do Presidente. Este notoriamente é reconhecido, mundo afora, como excepcional interlocutor, com grande habilidade nas negociações e dotado de singular força de convencimento.
O povo brasileiro abomina a subserviência aos poderosos e aprecia, às vezes ingenuamente, os estrangeiros e os outros povos. Sente-se orgulhoso de seu Presidente.
Ele é um deles, um sobrevivente da grande tribulação, que as elites, tidas por Darcy Ribeiro como das mais reacionárias do mundo, nunca o aceitaram porque pensam que seu lugar não é na Presidência mas na fábrica produzindo para elas. Mas a história quis que fosse Presidente e que comparecesse como um personagem de grande carisma, unindo em sua pessoa ternura para com os humildes e vigor com o qual sustenta suas posições.
O que estamos assistindo é a contraposição de dois paradigmas de fazer diplomacia: uma velha, imperial, intimidatória, do uso da truculência ideológica, econômica e eventualmente militar, diplomacia inimiga da paz e da vida, que nunca trouxe resultados duradouros. E outra, do século XXI, que se dá conta de que vivemos numa fase nova da história, a história coletiva dos povos que se obrigam a conviver harmoniosamente num pequeno planeta, escasso de recursos e semi-devastado. Para esta nova situação impõe-se a diplomacia do diálogo incansável, da negociação do ganha-ganha, dos acertos para além das diferenças. Lula entendeu esta fase planetária.
Fez-se protagonista do novo, daquela estratégia que pode efetivamente evitar a maior praga que jamais existiu: a guerra que só destrói e mata. Agora, ou seguiremos esta nova diplomacia, ou nos entre devoraremos. Ou Hillary ou Lula.
A nossa imprensa comercial é obtusa face a essa nova emergência da história. Por isso abomina a diplomacia de Lula.
Leonardo Boff junto com Mark Hathaway escreveu o livro The Tao of Liberation. Exploring the Ecology of Transformation, N.Y. 2009.
( Este artigo em especial é uma colaboração de leitura selecionada por Walter Raimundo Amorim –Belo Horizonte-MG)
Acesse e leia :
http://vodpod.com/watch/3244366-entrevista-a-leonardo-boff-1la-teologia-de-la-liberacion-y-la-
http://pt.wikipedia.org/wiki/Leonardo_Boff
http://www.qir.com.br/?p=4156
Entrevista TV Cultura 31/05/2010
0 comentários:
Postar um comentário