História Dinâmica

Não só de passado vive o homem, mas das ações presentes compartilhadas, com o olhar para frente, estimulando, participações sociais, integradas, teóricas e práticas, que incentivem a obtenção de mais resultados, tornando os indivíduos e as coletividades mais livres, porém com, mais dignidade, abertura de espaços e oportunidades para todos. É preciso que esta história seja, cada mais dinâmica, que especialmente vise, ainda mais, cuidar das prioridades, das boas ações, dos resultados, (os)as que são ligado(as), interligado(as), integrado(as),globalizado(as) e socializado(as), em redes, dentro de movimentos constantes de atuação.

Que todas as boas ações passem, a fazer parte dos estados permantes de evolução, mas com o foco nas melhorias contínuas, principalmente ao buscar, estimular e realizar ações, para resultados concretos, mediante metas de perspectivas crescentes, de desenvolvimento e inovação, para que o Brasil seja, cada vez mais, próspero e o mais justo possível, no futuro.

(Fonseca, M.C.da S.)

Farmacêutica-Bioquímica, Natural de Santos Dumont

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ARQUITETURAS & ESTRUTURAS


O ENGENHEIRO DAS CURVAS DE BRASÍLIA

DISCRETO. INVESTIGATIVO. HOMEM DA CIÊNCIA, HOMEM DAS ARTES, DE ESPÍRITO INQUIETO E ALMA BRASILEIRA, JOAQUIM CARDOZO DEIXOU UM LEGADO INESTIMÁVEL PARA A ENGENHARIA DE ESTRUTURAS AO CONCRETIZAR AS FORMAS ARQUITETÔNICAS INUSITADAS PROPOSTAS POR OSCAR NIEMEYER EM BRASÍLIA - ALGUMAS DAS QUAIS ATÉ HOJE SÃO DESAFIOS PARA A COMPREENSÃO E O RACIOCÍNIO LÓGICO

POR YOPANAN REBELLO E MARIA AMÉLIA D'AZEVEDO LEITE

A cidade com corpo de pássaro de Lucio Costa é, desde o nascimento, um ícone da arquitetura moderna e sua fama percorreu o mundo tendo como marcas registradas, além do traçado urbanístico peculiar, os edifícios de formas instigadoras de Oscar Niemeyer. Inaugurando um novo tempo na história do País, Brasília despontou como símbolo de um horizonte de possibilidades políticas e sociais.

O desejo do arquiteto de fazer da nova capital um marco diferenciado da arquitetura moderna, apoiado irrestritamente pelo presidente Juscelino Kubitschek e por todo o grupo de técnicos que o acompanhou, contou com a genialidade e a ousadia de um profissional obstinado pela engenharia e pelas artes. Mas, apesar disso, freqüentemente ignorado nos abundantes textos e publicações sobre a obra de Niemeyer e a respeito de Brasília.

Joaquim Maria Moreira Cardozo (1897- 1979), cidadão recifense de origem humilde, superou com seu brilhantismo qualquer descompasso de formação que porventura tenha tido em relação aos profissionais proeminentes da área à época, em geral advindos de classes sociais mais abastadas e graduados em renomadas escolas no exterior. Conhecido por sua personalidade introspectiva e uma ligação atávica com as ciências, Joaquim Cardozo foi um elo definitivo na cadeia de fatores que levaram a obra de Niemeyer ao patamar de reconhecimento que possui, em especial no que tange àquele período.

A convicção de Oscar Niemeyer no uso das formas curvas é de domínio público, sendo quase a declaração de honra de seu trabalho, expressa nas memoráveis palavras:

"... Não é o ângulo reto que me atrai. Nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual. A curva que encontro nas montanhas do meu país, na mulher preferida, nas nuvens do céu e nas ondas do mar. De curvas é feito todo o universo. O universo curvo de Einstein...".

É em Brasília que o traço livre e generoso do arquiteto encontra sua expressão privilegiada, influenciada pelos sonhos e intenções político-ideológicas das equipes envolvidas. O próprio Niemeyer confessa:

"... mas foi em Brasília, nos palácios da nossa Capital, que a forma plástica mais me preocupou, desejo de encontrar nova solução estrutural que os caracterizasse. São as colunas recurvadas, acabando em ponta, que os fazem leves e vazados como que apenas tocando o solo. Na concepção desses palácios, preocupou-me também a atmosfera que dariam à Praça dos Três Poderes. Não a pretendia fria e técnica, com a pureza clássica, dura, já esperada das linhas retas. Desejava vê-la, ao contrário, plena de formas, sonho e poesia...".

As colunas dos palácios, a volumetria divinal da Catedral e as cúpulas do Congresso Nacional, como símbolos de uma nacionalidade em expansão, foram um desafio para além de sua expressão ideológica. A complexidade estática das formas propostas, contrapondo os esforços atuantes às características resistentes do material, impunha a necessidade de uma concepção estrutural inovadora, inédita e, por que não dizer, atrevida.

O envolvimento de Joaquim Cardozo foi pleno, em mente e coração, no enfrentamento dos problemas científicos e construtivos que envolveram a resolução dessas e outras obras igualmente singulares, custando-lhe inúmeras vezes críticas acirradas por parte de profissionais e entidades ligados à engenharia estrutural.

Movia-se pelo desígnio de viabilizá-las e pela motivação de fazer dessas os baluartes da engenharia e da técnica construtiva brasileiras, frente a um mundo tecnológico em desenvolvimento e sob o domínio de algumas poucas potências internacionais. Sempre rebelde e inconformado com toda e qualquer tendência de subserviência que pudesse ser manifestada pelos brasileiros em relação aos ditames estrangeiros, Joaquim Cardozo pregava a importância de uma soberania nacional no tocante ao conhecimento, voltada à resolução adequada de nossos problemas sociais.

Em discurso para formandos da Escola de Engenharia da Universidade do Recife à época da construção de Brasília, exortou os alunos a observarem a importância daquele momento, quando se agitavam por todo País "as vivas aspirações, os mais sinceros desejos de desenvolvimento e progresso". Disse ainda que, diante de homens cujos destinos estariam inevitavelmente ligados ao destino do País, não seria ele a lhes dizer, de forma desvairada, que tudo seria fácil, que a nação já se encontrava capacitada e aparelhada para um grande porvir, nem também, "assumindo a atitude frouxa e passiva de muitos outros, aconselhar-lhes que, ao deixar as salas de estudo desta escola, saiam já submissos e de cabeça baixa às injunções e exigências de prepotentes senhores estrangeiros".

Além da adesão irrestrita aos preceitos da arquitetura moderna, sem dúvida o sentido nacionalista ligava fortemente Joaquim Cardozo a Oscar Niemeyer. Por isso, nutriu seu trabalho na busca de soluções para os intrincados problemas estruturais que lhe permitiram contribuir para a consolidação de uma cultura arquitetônica brasileira de repercussão internacional.

Cultura esta que Niemeyer tantas vezes, de maneira estóica, revela ter defendido. "Brasil... Quantas vezes me senti jacobino ao defender meu país no exterior. Ao recusar as críticas, não raro justas, feitas muitas vezes num tom amigo e conselheiro! Mas, não sei por que, nunca as tolerei... E quando a conversa caminhava para o campo da cultura, eu explodia: 'como é fácil para nós, brasileiros, invadir o mundo da imaginação e da fantasia! Nosso passado é modesto e tudo nos permite realizar'. E continuava: 'Como deve ser difícil para vocês realizarem coisa nova, a circularem a vida inteira entre monumentos!' E repetia minha frase predileta: 'Nossa tarefa é outra: criar hoje o passado de amanhã'".

Se foi Niemeyer a criar esses tempos na arquitetura, quem os materializou, concretos, foi Cardozo.

Em Brasília, desafios e desafios

Sobre o calculista, Niemeyer declarou:

"... Quando o engenheiro especializado em cálculos atualiza seus conhecimentos profissionais, quando está a par de todos os avanços da técnica da construção, quando ele abandona as regras e as normas limitativas para especular somente sobre os problemas colocados pelo concreto armado, porque descobriu que é a melhor maneira de evoluir; quando ele conhece não só a profissão, mas também as artes visuais e a verdadeira arquitetura - o que, aliás, é raro -, enfim, quando ele consegue se entusiasmar não só pelo problema técnico a solucionar, mas também pelo sentido artístico e criador da obra para a qual colabora, então sua associação com o arquiteto torna-se fecunda e positiva"."Ao longo da minha vida profissional, tive o privilégio de encontrar esse complemento essencial na colaboração amiga e superior de Joaquim Cardozo. Ele está sempre decidido a encontrar a solução justa para cada problema.

Uma solução que preserva a forma plástica sob todos os seus aspectos, quaisquer que sejam as dificuldades possíveis, porque ele tem, como eu, a certeza de que para se transformar em uma obra de arte, a arquitetura deve, antes de mais nada, ser bela e marcada de um espírito criador."
O Congresso Nacional foi projetado por Oscar Niemeyer para ser um marco indelével na paisagem de Brasília. Mais que uma construção, seu signo foi de configurar-se em uma escultura monumental. Estrategicamente localizado no plano urbanístico, foi idealizado como uma referência na cidade e sua volumetria cria efeitos visuais inesperados. Como comenta Yves Bruand, "... bastaram alguns volumes elementares justapostos com habilidade e fundidos num conjunto equilibrado, mas inesperado: às linhas horizontais do edifício das sessões, encimado por duas cúpulas audaciosamente invertidas, ele opôs o movimento vertical das duas torres que contêm os escritórios". Mais adiante, o autor confirma que as contradições formais levam a uma solução extremamente feliz: "A estética do Palácio do Congresso baseia-se inteiramente num equilíbrio perfeito na distribuição de massas, associado com originalidade barroca, de solidez com leveza, de estabilidade com dinamismo. A harmonia geral é tal que se poderia crer que existe uma simetria impecável, mas, esta, embora existente, está longe de ser absoluta. Pelo contrário, é fruto de um jogo muito engenhoso de compensações...".

Duas cúpulas audaciosamente invertidas. O engenheiro de estruturas Joaquim Cardozo soube muito bem entender o recado do criador daquelas formas. Poeta que era, sabia que as metáforas são fonte da criação e devem ser respeitadas.

Embora já bastante envolvido, e ousadamente, com os projetos da nova capital, talvez tenha sido na obra do Congresso Nacional que Cardozo demonstrou toda sua coragem de enfrentar os paradigmas estruturais, em atitude que lhe rendeu elogios e, também, muitas e severas críticas. O proeminente calculista italiano Pier Luigi Nervi, autor de belas estruturas arquitetônicas, mas ferrenho defensor de uma verdade estrutural em que a forma deve ser coerente com os esforços, chocou-se com a solução e duvidou de seu sucesso.

Suas dúvidas não eram infundadas. Uma cúpula invertida não é a maneira mais convencional de se construir com concreto. Os esforços gerados pela opção estrutural são predominantemente de tração, o que leva a uma solução em que o aço é o único responsável pela absorção dos esforços, atribuindo ao concreto um papel secundário, até mesmo inexistente, ao longo da maior parte da superfície. Pode-se considerar que o concreto, aqui, sirva apenas como elemento de envolvimento de uma espécie de estrutura de aço.

É obvio que Cardozo, como engenheiro de estruturas experiente, hábil com as formulações matemáticas, sabia muito bem disso. Sua coragem estava exatamente em desafiar as verdades técnicas estabelecidas, assimilando a audácia poética de Niemeyer e transformando-a em realidade. Se não houvesse um engenheiro que pensasse assim, é provável que as cúpulas opostas do Congresso jamais existissem - e seu autor sabia disso.

Niemeyer relatou: "Recordo sempre os trabalhos que realizamos juntos e não me lembro de um único caso em que ele (Joaquim Cardozo) tenha se insurgido contra as sugestões dos meus projetos, nem que tenha manifestado uma certa reserva ou proposto alterações de caráter econômico ou de prudência em relação à estrutura. Sua atividade se mantém, invariavelmente, num nível elevado de compreensão e de otimismo. Sempre que lhe proponho uma dificuldade a resolver, ele a estuda com um cuidado especial, pois não tenciona trazer a mínima modificação às particularidades novas ou ousadas que possa conter. Ao contrário, deseja acrescentar novos detalhes que vão dar destaque às suas características".

No discurso aos formandos de Recife, foi esta a obra escolhida por Cardozo para ilustrar os preceitos que considerava fundamentais por cumprir na prática da engenharia. Antes, defendeu com veemência a ação científica sistemática como suporte às atividades práticas da profissão. Explicou aos jovens engenheiros a seqüência magna que, em sua opinião, amparava a ação inventiva na concepção estrutural: o profundo conhecimento do aparato matemático, a exercitação empírica sobre modelos materiais reduzidos, a checagem dos resultados obtidos sobre protótipos em escala real ou próxima a esta e, por fim, o exame estatístico dos resultados das medidas calculadas e as tomadas sobre modelos e protótipos.

Cardozo lamentou que a estrutura da cúpula invertida não pudesse ter sido analisada com tal rigor. Explicou que, embora pesquisadores do Laboratório de Engenharia Civil de Lisboa houvessem se disponibilizado para realizar os ensaios com modelos e protótipos, não houve tempo suficiente no contexto do cronograma político das obras, dado que grande parte do prazo de projeto havia sido consumida na composição geométrica das cascas, objetivando-se satisfazer os "desejos do arquiteto". Assim, a estrutura foi executada tendo como subsídio único a concepção e os cálculos feitos por Cardozo. O projeto de Niemeyer determinava que a cúpula invertida aparentasse estar simplesmente pousada sobre a laje da esplanada, o que gerou uma casca esférica muito rebaixada, além de trazer dificuldades estáticas e executivas em sua ligação com o volume de apoio.

Ainda no mesmo discurso, o engenheiro compartilhou com os formandos de Recife suas infindáveis pesquisas teóricas, em literatura estrangeira, na busca de solução aos desafios de concepção, dimensionamento e execução daquelas formas tão puras, mas de alta complexidade estrutural. Resumindo, explicou:

"Procuramos adaptar ao desenho fornecido pelo arquiteto um parabolóide de revolução cuja geratriz fosse curva parabólica de quinto grau, com contato de segunda ordem ao longo de uma linha paralela à linha de contorno da esplanada. A equação obtida trouxe, porém, dificuldades ao próprio uso das equações da casca em regime de membrana. A forma final adotada para a superfície média foi a de uma zona de elipsóide de revolução possuindo um tronco de cone tangente segundo uma circunferência de determinada cota".

Se a descrição, estrita à formulação geométrica, satisfaz qualquer curiosidade de compreensão sobre a solução encontrada por Cardozo, os cálculos matemáticos para definição da seção resistente da casca permanecem um mistério. E mais: o que se conhece da resolução construtiva ainda causa perplexidade, dada a sua singularidade. Imagens da época da construção do edifício revelam uma densidade de armação inusitada, denunciando a pouca atuação estrutural do concreto.

Pode-se dizer que este tenha sido um aspecto freqüente nas formulações estruturais de Cardozo para os projetos de Oscar Niemeyer em Brasília. Em especial nas colunas dos palácios, que, segundo o arquiteto, deveriam tocar leve e suavemente os pontos de apoio e coberturas, o percentual de armadura nas seções extremas atingia valores muito maiores do que o permitido pelas normas técnicas atuais. O calculista Augusto Carlos de Vasconcelos, autor de diversas publicações sobre concreto, menciona o caso da base das colunas do Palácio do Planalto, nas quais a armadura chegava a atingir quase 20% da secção - mais do que o triplo admitido nos dias de hoje. Estudos analíticos do comportamento estático dos pilares da Catedral de Brasília revelam quadro semelhante.

A maneira particular de Joaquim Cardozo de tratar a concepção e o dimensionamento das estruturas de concreto foi objeto de permanente inquietação no meio técnico da engenharia de estruturas durante sua carreira profissional. As evidentes diferenças de seu trabalho obviamente não poderiam ser vistas como aventuras ou meras idiossincrasias. Cardozo foi um profissional de qualidades técnicas irrefutáveis. Seu domínio da matemática e das ciências superava todo e qualquer parâmetro de normalidade. Acrescia-se a isso, ainda, a atividade poética fecunda, o conhecimento avançado e apaixonado das artes plásticas, sem contar a profunda familiaridade com a teoria e a história da arquitetura, com especial dedicação aos preceitos da arquitetura moderna.

Não é por mero acaso, portanto, que a ele se referiu Oscar Niemeyer como o "brasileiro mais culto que conhecia", uma pessoa de atitude cheia de bondade e simplicidade, própria de um homem inteligente, alguém que jamais impunha uma opinião com a intransigência daqueles que se consideram os únicos detentores de uma verdade irrefutável. Pressupõe-se, assim, que Cardozo detinha um método próprio e particular de compreender e conceber os tipos estruturais com que trabalhava, articulando razão e sensibilidade de forma surpreendente.

A realização das polêmicas obras para as quais contribuiu, e que até hoje encantam multidões, demonstra que a contradição em relação às normas técnicas da época não pode ser entendida como desconsideração ou desprezo aos cálculos estruturais. Ao contrário, o que se apresenta é uma hipótese bastante consistente de que Cardozo tenha sido um idealizador de estruturas genial, para quem, segundo o emérito catedrático da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Prof. Dr. Pedro Bento José Gravina, os tradicionais algoritmos de cálculo estrutural, ferramentas tão úteis às pessoas normais, seriam pouco necessários, à medida que era capaz de sentir o comportamento da estrutura e projetá-la de maneira correta e elegante.

Ao encontro desse pressuposto, vem a célebre frase de Eduardo Torroja: "Antes e acima de todo cálculo está a idéia modeladora do material em forma resistente, para cumprir sua missão". Também Augusto Carlos de Vasconcelos acredita na possibilidade de um raciocínio inovador de Cardozo no trato das questões estruturais. "Era como se estivesse criando um novo tipo de concreto armado e esquecesse das limitações e imposições das normas estruturais e propriedades dos materiais empregados."

Vasconcelos atribui tais posições ao respeito absoluto que manifestava, não só à obra de Niemeyer, mas também à arquitetura moderna brasileira como expressão técnica e cultural. Essa sua paixão fica evidente em artigo sobre o assunto, publicado em 1955, no qual Cardozo analisa as características construtivas de obras da época, explicitando os avanços que haviam trazido à arquitetura e à engenharia nacionais, comparando-as com casos internacionais e recuperando raízes históricas de cada solução arquitetônica.

Por exemplo, ao associar o resultado obtido por Niemeyer na Igreja da Pampulha às pontes em arco-parede de Maillart e à forma particular da abóbada de Orly, de Freyssinet. Ou ainda, as esquadrias com brise-soleil propostas pelos irmãos Roberto no Edifício Anglia, compostas de venezianas de madeira basculantes sobre tirantes metálicos, que conferiam riqueza estética à fachada trazendo à memória "vagos aspectos de antigas janelas mouriscas".

É toda uma elegia à arquitetura moderna brasileira em que o engenheiro conclui, com grande entusiasmo, que "todos esses resultados são reveladores de que a arquitetura brasileira, longe de paralisar-se em fórmulas exaustas, vai-se desenvolvendo com uma vitalidade surpreendente e uma riqueza de tendências e soluções bem compatível com os progressos da técnica e dos métodos construtivos".

É essa adesão irrestrita de Cardozo à arquitetura moderna que, talvez, justificasse todo e qualquer empenho seu em realizar estruturas de exceção, sem receio das críticas que disso pudessem advir. O excesso de material em suas seções resistentes, duramente questionado em pareceres técnicos emitidos por outros profissionais, como Aderson Moreira da Rocha, contratado para examinar os cálculos do Tribunal de Contas e do Iate Clube de Brasília, não parecia ao calculista uma questão de mérito frente aos resultados plásticos alcançados. Ao comentar, por exemplo, a riqueza arquitetônica dos elementos externos de sustentação, da cobertura propostos por Niemeyer para os Palácios da Alvorada e do Planalto, e para o Supremo Tribunal, declara, sem constrangimento, que as soluções estruturais "são conseguidas esteticamente com superabundância de material construtivo".

Joaquim Cardozo partiu há quase três décadas. Seu pensamento tem expressão material nas obras que estruturou, em grande parte seguindo à risca o traço determinado de Niemeyer.

Os conceitos geradores de suas soluções inusitadas permanecem, entretanto, envoltos em sutil mistério. Continua, assim, o desafio.

E talvez dentre todas a mais intrigante, tal qual uma esfinge contemporânea, a obra do Congresso nos instiga a conhecê-la.

As cúpulas do congresso
O concreto como material da arquitetura, a estrutura como escultura. Relata Joaquim Cardozo:

"... Os arquitetos procuram, às vezes, formas de transição mais raras, em desacordo com a solução mais verdadeira do ponto de vista estático. Como exemplo, lembrarei o hall de exposições do Ministério da Educação e Cultura, onde toda a carga do primeiro teto é transmitida para os pilares por meio de "cachorros" delgados, sujeitos a um grande esforço cortante. No entanto, o seu efeito plástico é indiscutível. Estes exemplos vêm mostrar que não há adaptação perfeita entre a estética dos arquitetos e a estática dos engenheiros, muito embora esta última tenha também a sua íntima importância estética. Não obstante as discrepâncias assinaladas, as invenções dos engenheiros, não só na criação de novos tipos construtivos, como também na produção de novos materiais, são indiscutivelmente as fontes principais das quais se alimenta a capacidade criadora dos arquitetos".

Por que Nervi e outros engenheiros de estruturas se surpreenderam com o projeto das cúpulas do Congresso? Um modelo bastante simples pode demonstrar o motivo da polêmica que envolveu a obra, principalmente no que se refere à cúpula invertida. Observem-se duas cúpulas, representadas pelas metades de uma laranja cortada em gomos e colocadas em posições inversas.

Percebe-se que a cúpula cujo centro de curvatura está voltado para baixo estabiliza-se com facilidade, enquanto a outra tende a se abrir como uma flor, revelando estar submetida a esforços de tração. Caso se queira recuperar sua estabilidade, basta uma "amarração" unindo os gomos com um pedaço de fita adesiva. Nesse caso, a fita está simulando o papel da intensa armação de aço, destinada a manter estável a forma da cúpula invertida do Congresso. Aí reside o cerne da questão: se a cúpula invertida do Congresso fosse inicialmente concebida em aço, o cálculo estrutural seria razoavelmente simples. O difícil fica imaginar um modelo estrutural em concreto.
Como mostra a imagem da execução da obra da cúpula invertida, Cardozo previu uma densidade de armação muito acima do convencional para o que se poderia considerar concreto armado. Mesmo uma outra formulação estrutural que admitisse a predominância de flexão, em lugar de tração, não levaria a uma solução em concreto armado, dadas as tensões desenvolvidas. Mas seria alguma aberração técnica considerar-se a estrutura concebida por Joaquim Cardozo como uma malha de barras de aço enrijecida por concreto? Solução com tal característica, por sinal, foi proposta por Eero Saarinnen para o aeroporto de Dulles, próximo a Washington, na qual uma malha de cabos de aço recoberta com concreto vence um vão de 50 m, constituindo-se no elemento de cobertura do grande saguão.
Uma malha de cabos de aço como resolução estrutural apresenta como grande vantagem leveza e esbeltez. Em contrapartida, cabos são elementos estruturais pouco estáveis formalmente. Mudanças de carregamento provocam mudanças na geometria da estrutura - o conhecido funicular das forças. Em uma grande cobertura, onde as forças de vento são as mais significativas e, ao mesmo tempo, variáveis em intensidade, direção e sentido, o efeito sobre cabos instáveis é quase catastrófico. Por isso, cabos e malhas de cabos devem ser de alguma forma enrijecidos. O uso de uma camada de concreto sobre a malha de cabos é uma maneira fácil de a enrijecer, funcionando como uma espécie de "engessamento". Essa camada serve também como elemento de vedação da cobertura. Solução semelhante foi usada por Álvaro Siza e Eduardo Souto de Moura no pavilhão de Portugal para a Expo-98, em Lisboa.

Por que Joaquim Cardozo, tão audacioso, não poderia ter lançado mão do mesmo conceito? É lógico que a malha de cabos, tal como proposta por Saarinen e Siza, não teria sentido na cúpula invertida do Congresso, dado que não haveria nenhuma configuração de estabilidade. No entanto, barras de aço tracionadas e fletidas podem formar um conjunto estável, desde que enrijecidas por uma camada de concreto, sendo que, neste caso, o concreto não seria mais o elemento principal, mas coadjuvante, desempenhando uma tripla função: rigidez da forma estrutural, proteção da armadura e vedação.

Que contradição haveria, portanto, caso essa tenha sido a opção estrutural? Não teria sido Cardozo mal compreendido, a partir de julgamentos que levaram em conta apenas o padrão convencional das soluções em concreto armado? Seria possível até aventar que Joaquim Cardozo, arvorando-se de uma certa arrogância matemática e permitindo-se um certo sarcasmo, tenha criado propositalmente um enigma, cuja solução é típica dos grandes problemas, isto é, a simplicidade absoluta! São perguntas cujas respostas o polêmico calculista recifense parece ter levado consigo.

Há de se convir que o período quando as obras de Brasília foram concebidas ocorreu a vanguarda da concepção estrutural em concreto, com o surgimento de obras fantásticas e desafiadoras em diversos países. Alguns exemplos são o Pequeno Palácio do Esporte (1957) de Nervi, em Roma, coberto por uma cúpula semiesférica composta por peças pré-fabricadas e vencendo um vão de 60 m; o restaurante Los Mananticales (1958), de Felix Candela e Joaquin Alvarez Ordoñez, na cidade do México; ou ainda, o Pavilhão da Phillips para a Exposição de Bruxelas de 1958, projetado por Le Corbusier e Yannes Xenakis, são bons exemplos do patamar de investigação estrutural da época.

Nas obras de Candela e Xenakis, os parabolóides hiperbólicos revelam seu potencial em termos do uso pleno das características do concreto armado como material estrutural, evidenciando que, apesar da complexidade executiva da qual se revestem, são sistemas que apresentam excelente desempenho na relação área de cobertura versus quantidade de material. Vê-se, assim, que eram tempos de fértil prospecção científico-técnica no campo da engenharia estrutural, para o quê as obras de Brasília muito cooperaram e influenciaram.

Em entrevista a jornalistas em 1973, no Rio de Janeiro, Oscar Niemeyer disse:

"A arquitetura brasileira é baseada na tecnologia, especialmente na do concreto armado. Isto explica as formas livres que a caracterizam. Como todas as outras, ela sofreu a influência da obra extraordinária de Le Corbusier, recebendo desta os princípios de base e em seguida, com a construção da sede do Ministério da Educação e Saúde (1936), projetada por ele, o impulso inicial indispensável.

Conduzida por Lucio Costa, ela usufrui um período propício, encontrando em Gustavo Capanema e Juscelino Kubitschek um apoio excepcional. O primeiro a aceitou e promoveu quando todos os outros a recusavam. O segundo deu-lhe, com a obra de Brasília, a escala internacional. Mas se nossos arquitetos receberam, como todos aqueles da nossa geração, a influência do velho mestre, da sua arquitetura, dela eles se afastaram pouco depois, atraídos pela arquitetura mais livre que a obra da Pampulha (1940) anunciava. Eles fizeram do concreto armado seu instrumento de trabalho, eliminando as vigas aparentes, dando à curva uma maior escala, procurando o alcance máximo que representa ao longo do tempo um objetivo permanente de progresso da técnica construtiva. Eles convidaram os especialistas do concreto a penetrar nesse mundo de fantasia que é a liberdade plástica, obrigando-os a seguir, sem medo, o traçado arquitetural. Os vãos se ampliaram, as lajes se afinaram e as colunas se tornaram mais delgadas, muito delgadas, a arquitetura se tornou mais leve, às vezes quase sem tocar o solo, como nos palácios de Brasilia."

Fica evidente o novo paradigma colocado pelos arquitetos daquele período para a concepção estrutural em concreto armado. Pretendia-se um salto na compreensão das características resistentes do material, uma aventura conjunta na exploração de novos limites, novas técnicas de execução, novas formulações científicas. Um convite, enfim, para um vôo da imaginação criadora.

Convite este que, sem dúvida, Joaquim Cardozo aceitou irrestritamente e legou para as futuras gerações de engenheiros de estruturas o exemplo da possibilidade técnica que conduz à emoção inesperada, e a crença na intuição alimentada pelo conhecimento profundo da sua própria arte. Contribuiu, inexoravelmente, com a precisão das obras que realizou para concretizar o anseio de muitos brasileiros, daqueles e de todos os tempos, no sonho, este componente tão humano.

Ambição esta compartilhada e descrita, de modo singelo, por Niemeyer:

"... Formas de surpresa e emoção, que, principalmente, alheassem o visitante - por instantes que fossem - dos problemas difíceis, às vezes invencíveis, que a vida a todos oferece... Formas novas que surpreendessem pela sua leveza e liberdade de criação...".

Yopanan Conrado Pereira Rebello (yopa@ycon.com.br) é engenheiro civil, doutor pela FAUUSP e professor nos cursos de graduação e pós-graduação em arquitetura e urbanismo da Universidade São Judas Tadeu. É diretor pedagógico da Ycon Formação Continuada.

Maria Amélia Devitte Ferreira D'Azevedo Leite (melarquitetura@hiway.com.br) é arquiteta e urbanista, doutora pela FAUUSP, pesquisadora e professora nos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo e engenharia ambiental da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Especialista em Controle do Ambiente e formação em Educação Internacional.

BIBLIOGRAFIA

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BRUAND, Ives. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Editora Perspectiva, 1997.

CARDOZO, Joaquim M. M. Arquitetura Brasileira - características mais recentes. Revista Módulo, Rio de Janeiro, Ano I, nº 1, p. 6-9, mar. 1955.

CARDOZO, Joaquim M. M. Forma estática - forma estética. Revista Módulo, Rio de Janeiro, v. 2, nº 10; p. 3-6, ago. 1958.

PEDREIRA, Lívia Álvares (org.). Matemático no verso e poeta no cálculo. Revista AU - Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, Ano 3, nº 15; p. 76-80, dez 87/jan 88.

PETIT, Jean. Niemeyer, poeta da arquitetura. Lugano: Fidia Edizione d'Arte, 1995.

SHARP, D. Historia en imágenes de la arquitectura del siglo XX. Barcelona: Editorial Gustavo Gili S. A., 1972.

SUSSEKIND, José Carlos. Homenagem a Joaquim Cardozo. Revista Módulo, Rio de Janeiro, edição 89/90; p. 70-71, jan/fev/mar/abr. 1986.

THE ENGINEER OF BRASILIA'S CURVES
Born in Recife, Joaquim Maria Moreira Cardozo (1897 - 1979) was known by his introspective personality and an atavistic connection with the sciences. It was a definite link in the chain of factors which raised Niemeyer's work to the level of acknowledgement it has, especially in the period of building Brasília. Besides adhering to the precepts of modern architecture, the nationalist feeling joined the engineer of structures to the great architect.
The National Congress was designed by Niemeyer to be a symbol in the landscape of Brasilia. Two inverted domes: being a poet, Joaquim Cardozo understood the message in the shapes. Maybe for this reason, it was in these buildings that he demonstrated all his courage in facing the structural paradigms, in an attitude which brought him much praise, but also, severe criticism.
During the building of Brasília, the structural conception in concrete gave a leap in understanding the characteristics of resistance of materials. Engineering experienced an adventure in exploring new limits, new execution techniques and new scientific formulations. It was an invitation for a flight of his creative imagination, which Joaquim Cardozo accepted, leaving an example of potential techniques that lead to the unexpected emotion.

Acesse :

Joaquim Cardozo: sobre Arquitetura e Engenharia
Joaquim Cardozo
Interpoética
Fundação Joaquim Nabuco

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