A Fundação Perseu Abram o foi instituída pelo Partido dos Trabalhadores por decisão do seu Diretório Nacional no dia 5 de maio de 1996. Essa decisão abria o caminho para concretização de uma antiga aspiração do PT, que era a de constituir um espaço, fora das instâncias partidárias, para desenvolvimento de atividades como as de reflexão política e ideológica, de promoção de debates, estudos e pesquisas, com a abrangência, a pluralidade de opiniões e a isenção de idéias pré-concebidas que, dificilmente, podem ser encontradas nos embates do dia-a-dia de um partido político. Uma experiência de criação de instituição dessa natureza já havia sido tentada: a da Fundação Wilson Pinheiro, que funcionou durante algum tempo, sustentada pela participação de alguns dos mais destacados intelectuais e dirigentes do Partido, mas acabou se esgotando por várias razões, inclusive a da instabilidade de recursos financeiros.
A Fundação Wilson Pinheiro deixou de existir, mas a idéia que a inspirou nunca morreu dentro do partido; ao contrário, foi amadurecendo com base na experiência anterior e se tornou uma firme convicção do Diretório Nacional. A viabilidade do projeto recebeu um grande reforço com a garantia de uma base financeira permanente, proporcionada pela criação do Fundo Partidário. Esse fundo foi instituído pelo artigo 38 da Lei dos partidos Políticos (lei 9.096 de 19 de setembro de 1995); a mesma lei dispôs, também, no inciso IV do seu art. 44, que, da verba atribuída aos partidos a esse título, 20%, no mínimo, fossem aplicados na criação e manutenção de instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política.
Nesse momento (final de 1995 e início de 1996), Perseu Abramo, que havia assumido as funções de secretário nacional de Formação Política, começou a desenvolver estudos para constituição do futuro instituto ou fundação, fazendo consultas sobre as vantagens e desvantagens de cada um desses modelos, elaborando alguns documentos básicos sobre o tema, chegando, até mesmo, a formular um pré-projeto do que poderiam ser as linhas de trabalho da instituição. Perseu dedicou uma grande parte de seu esforço, nos últimos meses de sua vida, a esse trabalho.
A etapa seguinte iniciou-se com a decisão do Diretório Nacional, que optou pela criação de uma fundação. A escolha desse modelo - dado que as fundações são fiscalizadas e têm que prestar contas ao Ministério Público, através da Curadoria de Fundações - foi proposital, para garantir o rigor e a transparência de todos os atos a serem desenvolvidos pela instituição. Feita essa escolha, um pequeno grupo de pessoas que haviam acompanhado as discussões anteriores, foi incumbido pelo Diretório Nacional de prosseguir - tomando como base as idéias já esboçadas por Perseu - os estudos preliminares para definição da base jurídica, dos objetivos e do programa de atividades da nova fundação.
Os dois documentos elaborados com esse propósito: um que definia os "Elementos para um plano de trabalho" e outro que continha os estatutos da Fundação foram aprovados por unanimidade na reunião do DN do dia 5/5/96.
Ficavam assim estabelecidas as seguintes definições:
A natureza da Fundação, como instituição de direito privado, instituída pelo Partido dos Trabalhadores mas com autonomia jurídica e administrativa, com sede em São Paulo, mas de âmbito nacional, "tendo como fins a pesquisa, a elaboração doutrinária e a contribuição para a educação política dos filiados do Partido dos Trabalhadores e do povo trabalhador brasileiro".
Os órgãos constitutivos da Fundação:
I. O Conselho Curador, composto por 21 membros a serem designados pelo Diretório Nacional, cabendo-lhe não apenas as tarefas de fiscalização, de aprovação das contas, do orçamento e do plano de trabalho anuais, mas também as de decisão em todas as questões importantes como as relativas a eventuais alterações do estatuto ou do patrimônio da instituição, e mais do que isso, as de discussão das linhas gerais de trabalho e a contribuição para o desenvolvimento das atividades da Fundação através da avaliação crítica dos projetos em andamento e de sugestões para novas iniciativas. Para cumprimento dessas responsabilidades foram previstas reuniões ordinárias trimestrais.
II. A Diretoria Executiva, composta de quatro membros: um presidente, um vice-presidente e mais dois diretores, com atribuições de planejamento, orientação e coordenação dos trabalhos da Fundação, de representação externa da entidade, inclusive junto à Curadoria de Fundações, e de sua articulação com as instâncias do partido e com os diversos segmentos da sociedade em geral.
Na mesma reunião foram escolhidos os nomes para constituição do primeiro conselho curador, por critérios de representatividade que levaram em consideração os seguintes fatores: a pluralidade de posições e opiniões existentes no partido; a diversificação regional; a diversidade profissional e de campo de atuação necessária para boa execução das tarefas afetas ao Conselho; uma significativa participação das mulheres.
As linhas gerais do plano de trabalho previam os seguintes campos de atuação:
- Recuperação da memória e história do PT (Projeto Memória e História)
- Reflexão ideológica, política e cultural (Reflexão)
- Socialização do patrimônio político-ideológico-cultural acumulado, através de eventos, publicações e educação política (Editora e Revista Teoria a Debate)
- Pesquisas de opinião pública (Núcleo de Opinião Pública)
A diretoria e o conselho curador começaram imediatamente a exercer suas atribuições, para desenvolver as tarefas preliminares, como as inerentes ao registro legal da fundação, à da escolha e reforma da sede provisória e da compra da sede definitiva, a da seleção e contratação dos primeiros funcionários e à aquisição do mínimo de mobiliário e equipamentos necessários ao início dos trabalhos.
Finalmente, com a situação da Fundação já regularizada, no dia 14 de outubro de 1996, deu-se a posse simultânea do conselho curador e da diretoria e, no dia 19 do mesmo mês, era inaugurada a sede provisória da Fundação Perseu Abramo. Em novembro do mesmo ano, foi realizada a primeira atividade pública da FPA: o seminário “O Modo Petista de Governar” - 3ª Geração.
A Fundação Perseu Abramo e o CREA-MG promovem no próximo dia 9/4, às 19h30, o debate "Brasil, entre o passado e o futuro" com as presenças de Emir Sader, sociólogo e professor da Uerj e o ministro chefe da Secretaria Geral da Presidência, Luiz Soares Dulci. Na ocasião será lançado o livro "Brasil, entre o passado e o futuro", editado pela Editora Fundação Perseu Abramo /Boitempo, e organizado por Emir Sader e Marco Aurélio Garcia.
Local: Auditório do CREA-MG - Av. Alvares Cabral, 1600 - Lourdes, Belo Horizonte (MG)
Este livro reúne reflexões sobre o Brasil da primeira década do novo século, revelando o caminho de um país que era dos mais injustos do mundo a outro, menos desigual, que se projeta como a quinta economia do planeta. Os textos de Brasil, entre o passado e o futuro não apenas mostram a herança recebida do passado e as transformações realizadas como também apontam o caminho a trilhar para fazer deste um país realmente democrático, solidário e soberano.
UM ANO DE RECONSTRUÇÃO
Luiz Dulci, ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, define o primeiro ano do governo Lula como um período de sacrifícios e reconstrução, mas também de importantes conquistas
Após um ano de mandato do governo Lula, que avaliação geral pode ser feita?
Os principais objetivos do governo para o primeiro ano foram alcançados, sobretudo se levarmos em conta a situação em que o país se encontrava. Antes de mais nada, é preciso dizer que derrotamos o catastrofismo tucano e das elites conservadoras. Conseguimos recuperar a estabilidade econômica que havia sido perdida no governo anterior. Construímos a base política e parlamentar imprescindível para sustentar o governo e aprovar, no Congresso, reformas justas e necessárias. Estabelecemos, já neste primeiro ano, uma relação política fortemente inovadora entre governo e sociedade civil, especialmente com os movimentos populares. Apesar de todas as limitações, conseguimos lançar novos programas sociais, mais justos e abrangentes. Demos início, por exemplo, ao Fome Zero,que já atende 5 milhões de pessoas, unificamos as transferências de renda no Bolsa-Família, criamos o Primeiro Emprego e o Brasil Alfabetizado. Por fim, implantamos uma nova política externa, ativa e criativa, por meio da qual o Brasil resgatou sua soberania e tornou-se um protagonista de mudanças importantes na vida internacional. Não há por que negar: foi um período de sacrifícios, sim, mas de reconstrução. Agora temos as bases para avançar nas transformações sociais, que constituem a razão de ser do nosso governo.
Por que um governo liderado pelo Partido dos Trabalhadores pode afirmar que a política econômica foi bem-sucedida num ano sem crescimento?
Para avaliar corretamente a importância do que foi feito, é preciso recordar a situação que Lula herdou. A Argentina tinha quebrado, com as terríveis conseqüências sociais que conhecemos, e o Brasil passou perigosamente próximo disso. A economia brasileira tinha chegado ao limite da vulnerabilidade externa. Fernando Henrique, em oito anos, permitiu que a dívida pública saltasse de 23% para 63% do PIB! Os títulos da dívida haviam atingido o fundo do poço, vendidos a meros 38% de seu valor de face. As linhas internacionais de crédito, vitais para nossas exportações, foram reduzidas a zero. O dólar ultrapassou os 4 reais e a inflação anual projetada já era de 40%, à beira do descontrole. A confiança interna e externa em nossa economia era quase nenhuma. Tudo isso agravado pelo terrorismo de José Serra. Em conseqüência, o chamado risco país atingiu o absurdo patamar de 2.400 pontos. Acho, sinceramente, que alguns companheiros, no partido e no meio intelectual, subestimaram e continuam subestimando o peso terrível dessa herança a um só tempo estrutural e conjuntural. Subestimam a gravidade daquele quadro e seus riscos para o país e para o governo Lula. Acabam compartilhando, involuntariamente, a auto-avaliação dos tucanos e das elites conservadoras sobre o saldo histórico do ciclo neoliberal. Os tucanos diziam que o Brasil estava arrumadinho e pronto para crescer, quando na verdade estava prestes a quebrar.
Os instrumentos utilizados para enfrentar essa situação, principalmente os de política monetária, não foram restritivos demais? Não retardaram o crescimento?
Lula já havia advertido, em junho de 2002, na Carta ao Povo Brasileiro, que, antes de adotarmos uma política de crescimento, seria necessário superar essa tremenda crise econômico-financeira. Os instrumentos utilizados para debelar a crise foram os disponíveis, que não são muitos, e os resultados, em minha opinião, são consistentes. A inflação, que penaliza principalmente os mais pobres, foi controlada, as linhas de crédito voltaram e outras foram abertas, os títulos públicos não só recuperaram seu valor como atingiram cotação recorde, o risco país caiu de 2.400 para 500 pontos, o que não ocorria desde 1995. Reorganizamos a atividade econômica e estamos reduzindo, de maneira sustentada, as taxas reais de juros, além de o câmbio ter encontrado nível adequado. Não teríamos alcançado esses resultados, que hoje permitem à economia voltar a crescer, se tivéssemos agido de modo voluntarista, ignorando os desafios concretos e palpáveis daquela conjuntura. Se tivéssemos, por exemplo, promovido uma drástica redução dos juros básicos em janeiro ou fevereiro, a inflação poderia ter explodido, e o presidente Lula seria obrigado a elevar novamente os juros em março ou abril. Se a inflação mensal, que já era de 2,5% em janeiro, chegasse a 5% em maio, Lula não perderia apenas o controle da economia, mas, muito provavelmente, também a governabilidade política.
Poderia ser um governo derrotado no nascedouro, sem chance de executar o seu projeto. Nesse caso, desperdiçaríamos a oportunidade histórica de mudar o país sob a liderança do PT. Eu, pessoalmente, não tenho nenhuma dúvida: os sacrifícios do governo e da sociedade foram necessários à superação da crise.
Os resultados macroeconômicos vão se transformar em novos empregos?
Estamos convictos de que a economia está voltando a crescer, graças ao trabalho feito em 2003. Mas a geração de empregos, na quantidade que o país precisa, não é uma conseqüência imediata. A economia foi reativada pela ponta do consumo, mas muitos setores estavam com capacidade ociosa ou estoques elevados. Podemos dizer que as empresas pararam de demitir, o que é muito importante, e preparam-se para contratar. O que o Brasil precisa é de um novo ciclo de crescimento sustentado, como ocorreu em alguns momentos do século passado. Crescer durante quatro ou cinco anos, a taxas de 4%, 4,5%, 5% ao ano. E, além disso, será necessário adotar políticas ativas de geração de emprego, investindo para valer na micro, pequena e média empresa e em obras de saneamento e habitação popular, por exemplo, que criam mais postos de trabalho.
Você afirmou que o controle da economia era fundamental para a governabilidade política. Como o governo construiu sua base parlamentar?
Construir é uma expressão bastante adequada, porque nós não saímos das urnas com maioria parlamentar. A vitória do presidente Lula, com 53 milhões de votos, foi muito expressiva, mas a esquerda não elegeu maioria na Câmara nem no Senado. Não teríamos maioria sequer junto com os partidos que nos apoiaram no segundo turno. Dos 27 governadores eleitos em outubro, apenas três eram do PT. Contando os aliados, não chegavam a dez. O que o presidente fez? Primeiro, não aceitou chantagens de natureza alguma. Usou seu prestígio moral, social e político para dialogar com todas as forças, inclusive os adversários. Reuniu os governadores em torno das reformas. Ouviu também os prefeitos, as centrais sindicais e o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Em torno de objetivos nacionais e realmente importantes para a maioria da população, incorporamos partidos de centro-esquerda e do centro à base no Congresso, neutralizando as investidas de setores da oposição e dos conservadores em geral. O governo teve sucesso em todas as votações importantes.
E a relação com a sociedade, que importância tem para o governo?
Da mesma forma que a Casa Civil acompanha permanentemente o Congresso, os governadores e prefeitos, a Secretaria-Geral coordena o diálogo político do governo com as diversas organizações da sociedade. Pela primeira vez na história o planejamento estratégico do país para os próximos anos, o PPA 2004-2007, foi elaborado em diálogo direto com a sociedade. Esse processo envolveu, em todos os estados, 2.170 entidades de trabalhadores da cidade e do campo, das igrejas, do empresariado, da juventude, movimentos de defesa do meio ambiente e do consumidor, instituições culturais, organizações de etnias, de gênero etc. Criamos o CDES e o Conselho Nacional de Segurança Alimentar. Diversos ministérios realizaram neste ano importantes conferências nacionais sobre meio ambiente, saúde, educação, turismo, pesca, direitos da infância, questões urbanas, entre outros temas de políticas públicas.
Mas qual a estratégia mais geral de governo?
Este é um governo de mudança, que só alcançará seu objetivo ampliando o espaço democrático da participação social. A governabilidade parlamentar é fundamental, mas, para realmente mudar o Brasil, é preciso ampliar o próprio conceito de governabilidade. Nunca a sociedade se mostrou tão disposta a participar na construção de um novo país. Estamos incorporando essa energia. Além disso, a História nos dá exemplos de governos liderados pela esquerda, em outros países, que fracassaram por não terem conseguido ampliar e aprofundar sua base social. Só neste primeiro ano, a equipe da Secretaria-Geral manteve mais de 700 reuniões com organizações da sociedade. Esse método inovador de governar reflete-se na agenda do próprio Lula. Ele foi o primeiro presidente a visitar a Assembléia da CNBB em Itaici, o Congresso da CUT em São Paulo, a marcha do Fórum Nacional da Reforma Agrária em Brasília. Também foi o primeiro a receber a Associação Brasileira de ONGs. Recebeu a direção da UNE, que havia dez anos não era convidada ao Planalto. Outros governos chegaram a criminalizar movimentos como o MST. O nosso, ao contrário, mantém com eles uma interlocução franca e respeitosa.
De toda forma, a área social não ficou aquém das expectativas?
É preciso reconhecer que sim, sobretudo pelas enormes dificuldades que herdamos e pelos sacrifícios que tivemos de fazer. Nosso compromisso é fazer muito mais na área social. Um presidente como Fernando Henrique podia contentar-se em ser julgado pela estabilização da moeda – e até isso ele perdeu. Nós, não. O governo Lula, ao final de quatro anos, será avaliado, pela capacidade prática de fazer o país voltar a crescer de modo sustentado, gerar empregos, distribuir renda e promover vasta inclusão social. Nesse sentido, sim, avançamos em 2003 menos do que o necessário, mas não poderia ter sido diferente, dada a correta prioridade de superar, com segurança, a crise econômico-financeira. Mas, apesar das dificuldades – tivemos de cortar 14 bilhões de reais no Orçamento da União! –, os avanços são evidentes.
O quê, por exemplo? O Fome Zero?
Não apenas, mas podemos começar por ele. Depois de enfrentar dificuldades iniciais e algumas incompreensões, o Fome Zero deslanchou. Está implantado em 1.277 municípios, principalmente no Nordeste, mas vai se ampliar para as outras regiões. São 1,2 milhão de famílias, 5 milhões de pessoas, num programa que não é só de transferência de renda e distribuição de alimentos. Milhares de cisternas domiciliares estão sendo abertas no semi-árido, sem falar na alfabetização de adultos, na organização de cooperativas e de outras ações estruturantes em todas as cidades. Nosso programa de transferência de renda, o Bolsa-Família, é mais justo e abrangente que os anteriores. Com o cadastro unificado, o custo de sua administração é menor. Além disso, reduz a dispersão dos recursos, que nem sempre chegavam aos mais pobres, desviados, inclusive, por favorecimentos políticos. Já são 3,6 milhões de famílias atendidas. O valor médio mensal da transferência foi triplicado. Serão 11 milhões de famílias até o final do governo, incluindo cerca de 3 milhões que hoje não recebem nenhum tipo de assistência. Criamos o programa Primeiro Emprego, que dará oportunidade a 300 mil jovens. O programa Brasil Alfabetizado, que já alcança 3 milhões de adultos, foi premiado pela Unesco. Nossas linhas de crédito popular se expandem a cada dia. Isso mostra que avançamos, sim, apesar de tudo, na inclusão social.
O combate à corrupção e a defesa da ética são marcas profundas na história do PT. O que o governo fez neste sentido?
Nessa matéria, como em tantas outras, devemos ter justificado orgulho do governo Lula. Não houve, em 2003, um único episódio de corrupção no governo, ao contrário do período neoliberal, marcado por escândalos nas privatizações e nas relações políticas. Só isso – a rigorosa honestidade no trato com o dinheiro público – é um passo enorme num país com as tradições do Brasil. Mas o governo não se limitou a não roubar e a não deixar roubar. Adotamos procedimentos inovadores de saneamento ético na máquina pública, que nem sempre têm a merecida visibilidade, mas são muito relevantes: revisão jurídica de contratos e licitações, busca de melhores preços nas compras públicas, economia em gastos intermediários, como passagens e serviços de apoio, sem falar nos absurdos contratos de terceirização etc. E adotamos a prática muitíssimo inovadora de auditar a aplicação do dinheiro que a União transfere aos municípios. O ministro Waldir Pires está fazendo nessa área uma revolução republicana. A escolha dos municípios fiscalizados é feita por sorteio, sem nenhuma interferência política. O resultado vai além da correção e punição dos desvios detectados. Mesmo nas administrações que ainda não foram sorteadas, já se trata com mais zelo e respeito o dinheiro do cidadão.
Outra marca histórica do PT e do presidente Lula é o compromisso com a reforma agrária. Afinal, a reforma parou ou avançou neste governo?
Lula sempre disse que, antes de fazer novos assentamentos, era preciso recuperar a capacidade produtiva daqueles já existentes, que estavam em situação lastimável. Nos últimos oito anos, milhares de famílias foram simplesmente jogadas em áreas imprestáveis para a agricultura, sem luz, sem água, sem assistência técnica, sem condições mínimas de viver e produzir. Mais de 80% das famílias que Fernando Henrique assentou não produziam nada, sobreviviam com doação de cesta básica. Por isso, decidimos lançar primeiro um vasto programa de apoio à agricultura familiar, o maior que já houve no país, de 5,4 bilhões de reais, que beneficiou 1,8 milhão de famílias, entre elas os 400 mil assentados da reforma agrária.
Lula anunciou em novembro, naquele emocionante encontro com os sem-terra em Brasília, nosso Plano de Reforma Agrária. O governo, em parceria com os movimentos, vai assentar nos próximos três anos 530 mil famílias, com a infra-estrutura, o crédito e os serviços necessários. Vamos adotar um novo modelo. Nossa reforma agrária será de massas e qualidade.
Finalmente, você mencionou a política externa como um dos sucessos do primeiro ano de mandato.
É verdade, um grande sucesso. Começamos, a partir da reconstrução política e econômica do Mercosul, um processo de aprofundamento dos laços com os vizinhos do continente sul-americano. Também nos aproximamos de grandes países, como China, Rússia, Índia e África do Sul, que eram secundarizados em nossa diplomacia. O presidente Lula começou a resgatar os compromissos seculares com a África e abriu as portas do Oriente Médio. Dessa maneira, soberana e criativa, defendemos nossos interesses comerciais em todos os fóruns, desde a Alca até a Organização Mundial do Comércio. Na OMC, criamos o G-22, um novo pólo nas grandes negociações entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Em todas as frentes possíveis, lutamos pela queda de barreiras protecionistas que prejudicam os países em desenvolvimento. Ajudamos a preservar a ordem constitucional na Venezuela. Na defesa da paz, dialogamos intensamente com líderes de todos os continentes. Lula defendeu com vigor, na Assembléia da ONU, reformas democráticas para assegurar o princípio do multilateralismo e propôs a união dos povos e dos governantes no combate à fome em todo o mundo. O acerto dessa política altiva se confirma, também, pelo apoio que diversos países têm dado à proposta de o Brasil participar permanentemente do Conselho de Segurança da ONU.
E quais são as perspectivas para o próximo ano?
Recuperadas a estabilidade econômica e a soberania nacional, e criadas as condições para isso, nosso maior desafio agora é crescer de modo sustentável e com verdadeiro desenvolvimento social. O crescimento econômico, por si só, não traz justiça social. O Brasil já cresceu no passado sem que tivesse havido distribuição de renda. Em 2004 teremos de conjugar melhor o econômico e o social. Estamos criando mecanismos e regulamentos para atrair investimentos de médio e longo prazo nas áreas de infra-estrutura e em outras estratégicas para o desenvolvimento. Um deles é a proposta de Parceria Público-Privada que apresentamos ao Congresso. A definição do modelo regulador na energia tem o mesmo sentido. Teremos, neste e nos próximos anos, mais recursos para investir e emprestar aos estados e municípios com projetos viáveis de saneamento. E vamos avançar nas mudanças sociais que a população espera. Além da reforma agrária, o governo deverá investir pesadamente na questão do emprego, da saúde, da educação e da segurança pública.
Pesquisa NOP
Durante as comemorações da conquista da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, pesquisadores do Núcleo de Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo (NOP/FPA) estarão em campo colhendo as entrevistas para a pesquisa Indígenas do Brasil. Estarão presentes representantes de todas as nações indígenas brasileiras. Também foi convidado o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, responsável pela homologação da reserva.
O Núcleo de Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo (NOP/FPA) dará início à fase qualitativa da pesquisa Indígenas do Brasil entre os dias 15 e 20 de abril, durante a festa de comemoração da conquista da Terra Indígena Raposa Serra do Sol "Anna pata anna yan - Nossa Terra Nossa Mãe" Vitória dos Netos de Makunaima. A festa acontece na comunidade indígena Maturuca, Terra Indígena Raposa Serra do Sol, município de Uiramutã, Roraima.
Quatro membros da equipe do NOP, em parceria com jovens indígenas cadastrados na CINEP (Centro Indígena de Estudos e Pesquisas) e capacitados pela equipe do NOP, irão colher entrevistas com as lideranças indígenas selecionadas para a pesquisa e presentes no evento.
O objetivo, nesta fase, é entrevistar cerca de 40 lideranças de povos indígenas de todo o Brasil, buscando problematizar as questões relativas à discriminação das populações indígenas e aos conflitos fundiários que as envolvem, bem como os dilemas sócio-ambientais que o contraste entre suas formas de vida e os da sociedade brasileira não indígena suscitam.
As entrevistas terão um roteiro pré-estruturado e serão gravadas.
A pesquisa terá ainda uma segunda fase quantitativa, um survey nacional, composto por 2000 entrevistas com a população brasileira adulta (16 anos e mais), residente nas áreas urbanas e rurais das cinco regiões brasileiras.
Sobre a festa "Anna pata anna yan - Nossa Terra Nossa Mãe" Vitória dos Netos de Makunaima
A Festa de Comemoração da conquista da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, de iniciativa do Conselho Indígena de Roraima, está marcada para o período de 15 a 20 de abril, tem significado importante para os índios brasileiros. Será um momento para relembrar e gravar os 34 anos de luta dos povos indígenas para fazer valer seus direitos. São esperados cerca de 18.000, inclusive o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 19 de abril, responsável pela assinatura da homologação da reserva, em agosto de 2009. Também estarão presentes representantes de todos os povos indígenas brasileiros.
Joênia Wapichana: Sem a terra, não existem valores nem cultura
O Brasil vive um momento muito relevante para a sua história. O país acompanha a decisão sobre a demarcação contínua das terras de Raposa Serra do Sol, em Roraima, de forma apreensiva e dividida. Políticos e ruralistas do estado defendem que ilhas sejam criadas dentro da reserva para que os índios possam ali viver, ou seja, trata-se de mais uma invasão da cultura dos não-índios. Enquanto isso, os índios e a sociedade que os apóia travam essa batalha desigual, protegendo a cultura que está intimamente ligada àquela terra. Na primeira sessão do julgamento, que aconteceu n quarta-feira, dia 27, o ministro-relator Carlos Ayres Britto fez um discurso veemente em favor da causa indígena. Depois do seu voto, foi feito um pedido de vista ao processo pelo ministro Carlos Alberto Direito.
Antes de Ayres de Britto proferir seu voto, a índia JBC , conhecida como Joênia Wapichana, a primeira índia a graduar-se em Direito no Brasil, defendeu oralmente a causa dos índios de Raposa Serra do Sol, onde nasceu e se criou, na tribuna do Supremo Tribunal Federal. Caso a entidade aprovar a revisão da homologação do território de Roraima, todas as outras terras indígenas demarcadas no Brasil poderão ser também revistas. Em entrevista, realizada por telefone, à IHU On-Line, Joênia avaliou esta primeira parte do julgamento como uma grande alegria, pois, para ela, o ministro-relator conseguiu, com suas palavras, esclarecer diversos pontos em relação a este processo. “Eu fiquei bastante comovida com a forma como ele traduziu toda a importância dos povos indígenas para o Brasil, a importância de manter a nossa terra de forma integral. Foi brilhante, iluminado. O ministro conseguiu escrever tudo isso que nós vínhamos falando, reclamando”, disse ela.
Confira a entrevista.
Que significado teve para a comunidade indígena essa parte do julgamento que aconteceu sobre a demarcação de Raposa Serra do Sol?
Para nós, foi uma grande alegria porque conseguir o voto do ministro-relator esclareceu uma série de questões que foram abordadas esse tempo todo em documentos da ação popular, pelo próprio estado de Roraima e pelos arrozeiros. Para nós, então, foi muito bom e brilhante o levantamento fundamentado, embasado e esclarecedor do ministro Ayres de Britto. Não restam dúvidas de que não há ilegalidades no decreto presidencial que considera a demarcação de terra de Raposa Serra do Sol de forma contínua. Isso nos deixa com a segurança de que os ministros têm esclarecimento sobre o assunto. A importância das terras indígenas precisa ser interpretada de forma que se possa atender as necessidades dos povos de Raposa Serra do Sol, contemplando todos os valores, os aspectos culturais, antropológicos, econômicos, ambientais, assuntos que muitas vezes foram, e ainda são, negados pelo governo de Roraima. Esses aspectos foram brilhantemente esclarecidos pelo ministro-relator. Tais fatos não deveriam gerar polêmicas, uma vez que a legislação brasileira ampara a função das Forças Armadas e da Polícia Federal e considera conciliável a presença de indígenas na faixa de fronteira. Esperamos que, na próxima sessão, os ministros possam comparar e fazer um aprofundamento da ação, tomando, assim, ciência da situação, além de comprovarem o que o ministro-relator colocou em seu relatório.
O que representa para vocês esse pedido de vista em relação ao julgamento?
Para mim, foi muito marcante, emocionante. Claro que existia um peso grande da responsabilidade também, porque ser a única voz indígena ali naquela plenária, sendo escutada atentamente por índios e não-índios, é algo muito marcante e representativo. Marcou porque eu vi meus avós, voltei alguns anos no tempo, digamos assim. Afinal, eles se colocavam numa posição submissa, de não poderem falar por si. Enfim, as pessoas puderam ouvir uma voz indígena dentro desse processo, o que foi importante para nós todos. Ninguém precisa falar pelos índios, ao contrário do que diz o senador Augusto Botelho, que diz que fala pelos índios. Nós mesmos vamos lá e falamos quais são nossos interesses. Eu sou da tribo wapichana, um dos povos de Raposa Serra do Sol, e posso dizer que os povos de lá estão unidos, isto é, não estão só interessados na demarcação contínua. Eu representei todas as comunidades de lá e estamos juntos para conseguir a nossa terra de forma contínua.
O que significaram para você as palavras do ministro Ayres de Britto?
Eu fiquei bastante comovida com a forma como ele traduziu toda a importância dos povos indígenas para o Brasil, com a importância de manter a nossa terra de forma integral. Foi brilhante, iluminado. O ministro conseguiu escrever tudo isso que nós vinhamos falando, reclamando, mas não estava sendo considerado e precisava de interpretação do que a própria Constituição de 1988 conseguiu escrever em nossa Carta Magna. Fiquei muito alegre. Em suas linhas técnicas incontestáveis, ele conseguiu expressar brilhantemente o seu voto. E isso foi muito importante para nós nesse momento.
Joênia, você foi a primeira índia a se formar em Direito. Para você, que viveu a vida toda em Raposa Serra do Sol, como essa discussão em torno da identidade indígena aconteceu?
Enquanto não tinha ainda saído de Roraima, eu não sabia que era a primeira advogada índia mulher. Quando comecei a participar de reuniões fora do estado, me dei conta de que existiam poucos profissionais indígenas e de que eu era a primeira mulher índia que tinha se formado em Direito no Brasil. Nós temos necessidade de formar os indígenas, mas é diferente do que alguns políticos de Roraima e do Estado colocam em seu discurso, dizendo que queremos ficar segregados, ou seja, queremos isolamento e separação. Estamos buscando conhecimentos universais para justamente requerer a nossa participação na sociedade brasileira como é de direito. Se formar e ter o conhecimento das leis brasileira e do merecedor respeito dos povos indígenas foi fundamental para mim como profissional indígena, como advogada das nossas comunidades em Roraima. Isso é um avanço muito grande do protagonismo dos povos indígenas, que estão mostrando a sua capacidade de falar por si só, de entender o contexto que está em jogo. Além disso, ter um curso superior, estudo, ou entender as tecnologias, não mostra que deixamos nossa cultura de lado. Pelo contrário,estamos reforçando ainda mais nossa cultura e nossa identidade indígena.
Muitas vezes, as pessoas não compreendem, pensando que o indígena deve ser domesticado. Com isso, existe a idéia de que, a partir do momento que ele passa a ter conhecimento, não é mais índio. Esse pensamento é inadmissível. A diversidade étnica no país deve ser respeitada. Eu posso ter mestrado, doutorado, compreensão da lei do branco e nunca vou deixar de ser indígena. É uma condição que ninguém vai tirar de mim, ou seja, jamais vão conseguir tirar de mim a cultura dos índios. Estamos apenas agregando conhecimento. Somos discriminados porque temos laptop, celular, falamos português. O próprio estado de Roraima diz que não há mais índios lá só porque estamos falando por nós mesmos, reclamando nossos direitos e exigindo respeito. Eles acham que os índios devem ficar calados, na sua comunidade, que não podem vestir roupa. A partir do momento que nos tornamos protagonistas, eles acham que não somos mais índios. Depois de 1500 anos de colonização, a gente ainda resiste e não é diferente, pois também fazemos parte do povo brasileiro.
Raposa Serra do Sol vive ainda, além da invasão dos arrozeiros, a disputa de religiões dentro do seu território. Como você vê essa questão?
Essa questão de religião foi um argumento que os políticos de Roraima tentam fazer aparecer na mídia como se houvesse uma briga de religiões. Esse argumento é totalmente falso. Falam que de um lado está a Igreja Católica e do outro lado a Igreja Evangélica. Cada um tem o direito de escolher a sua religião. Apesar de haver a presença dessas igrejas diferentes, a religião indígena pesa mais alto. Muitas comunidades indígenas que participam do conselho são evangélicas. Ficam tentando travar uma batalha de religiões que não existe. Aqui os índios se respeitam. Muitas vezes essa batalha é fomentada para tentar gerar uma divisão entre as próprias comunidades. Isso é crueldade.
Como se sentem os índios com essa grande pressão sobre eles em relação à sua cultura e às suas terras?
Estamos há mais de 30 anos buscando regularizar a terra indígena de forma legal. Nesse período que passou, muitas coisas aconteceram, muitas mortes, muita violência. A sensação que as comunidades têm em relação a tudo isso, em relação aos impactos na sua vida e na sua cultura, é que precisam de justiça para resolver esse problema. Estamos esperando até agora que as autoridades brasileiras e a sociedade abram sua cabeça e vejam o que está acontecendo com os índios. Essa é uma questão de ameaça à nossa cultura e à nossa espiritualidade. Nós entendemos que todos devem compartilhar essa responsabilidade, pois se trata de uma diversidade cultural, de uma riqueza que nem todo mundo conhece. Se se conhecesse a nossa realidade, se conversassem conosco, talvez não houvesse tanta pressão sobre os povos indígenas, porque nossa relação com a terra é cultural. Sem a terra, não existem valores nem cultura. Queremos mostrar que a terra não representa simplesmente uma questão de sobrevivência econômica, mas sim a própria vida cultural dos indígenas. O que o ministro colocou em seu voto é muito sério. Às vezes, as pessoas não percebem que a questão da terra tem muita importância para nós. O desenvolvimento tem outro sentido para nós. Não pensamos nele de forma econômica, capitalista, mas na relação com a natureza. Precisamos mostrar mais isso para a sociedade, para que todos dêem importância para a terra nesse mesmo sentido.
O que podemos esperar para o próximo julgamento em relação a homologação de Raposa Serra do Sol?
Nós vamos esperar que seja agendado um novo julgamento. Estaremos aqui esperando. Vamos continuar explicando para quem quiser ouvir qual é a importância dessa terra, porque é necessário manter uma área contínua na Raposa Serra do Sol. Vamos insistir para que os dez ministros que ainda não votaram possam seguir o voto do ministro-relator.
FPA reúne comunidade, academia e governo para construir pesquisa "Indígenas no Brasil"
Representantes das comunidades indígenas, do governo e de centros de pesquisa estiveram reunidos nos últimos dias 18 e 19 de janeiro em São Paulo para construir a metodologia da pesquisa Indígenas no Brasil, a convite da Fundações Perseu Abramo. A FPA realizará este estudo em parceria com o Instituto Rosa Luxemburgo Stiftung nos próximos meses com povos indígenas e com a população em geral de todo o país.
Participaram da reunião em São Paulo 26 pessoas representando as seguintes entidades: Associação Nhê ê Porã – Aldeia Guarani Krukutu (SP), Departamento de Antropologia do Museu Nacional/UFRJ, Secretaria Estadual de Justiça e Defesa da Cidadania (SP), Conselho Indígena de Roraima, Instituto de Estudos Socioeconômicos (DF), EACH/USP, Instituto Sócio-Ambiental (SP), Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Núcleo de História Indígena e do Indigenismo no Brasil/USP, PUC (SP), Instituto IEPES (SP), Instituto Pólis (SP), UniSantana (SP), IDETI (Instituto das Tradições Indígenas), CIMI (Conselho Indigenista Missionário), Associação Brasileira dos Pesquisadores Negros, Unifesp/Escola de Medicina. Coordenaram os trabalhos os integrantes do Núcleo de Opinião Pública da FPA, que agora sistematizam as sugestões e críticas para aperfeiçoar a metodologia da pesquisa.
No projeto original da pesquisa Indígenas no Brasil estão previstos os seguintes temas a serem aprovado: percepção e manifestação de preconceito e discriminação; identidade e organização social e valores culturais; gênero, infância e juventude; saúde; violência e segurança; trabalho e economia autosustentável; educação e cultura; conflito de terras; ambientalismo e intervenções socioambientais; justiça; relações com a FUNAI e demais orgãos de representação. Os resultados deste estudo deverão subsidiar debates e políticas públicas para os povos indígenas, a exemplo de outras pesquisas da mesma linha realizadas pela FPA (Fundação Perseu Abramo) nos últimos 10 anos com jovens, mulheres, negros, idosos e LGBT.
Amazônia será tema de dois debates a serem realizados em abril
Dois seminários sobre a Amazônia estão sendo organizado pela fundação Perseu Abramo e seus parceiros para o mês de abril, em Belém: o seminário "Amazônia:
caminhos para o desenvolvimento econômico social e sustentável com a inclusão do seu povo", organizado pela FPA, em parceria com a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Conselho Nacional de Seringueiros (CNS) e o Partidos dos Trabalhadores (PT) e "A integração sul-americana e os desafios políticos e sócio-ambientais da Pan-Amazônia", organizado pela FPA, pela Fundação Friedrich Ebert e pelo PT.
Seminários: Amazônia em debate
Este seminário tem como objetivo a promoção do debate sobre a integração da América do Sul com enfoque na Região Pan-Amazônica, em uma reflexão que leve em conta suas características, suas potencialidades, seus problemas, desafios e perspectivas, reunindo para esse fim representantes de governos progressistas, partidos de esquerda, movimentos sociais e intelectuais especialistas dos países que a conformam.
O segundo evento, é o seminário "Amazônia: caminhos para o desenvolvimento econômico, social e sustentável com a inclusão do seu povo", organizado pela FPA, em parceria com a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Conselho Nacional das Populações Extrativistas - CNS e o Partidos dos Trabalhadores (PT). O seminário, previsto para os dias 15, 16 e 17 de abril, em Belém, terá a participação de especialistas e representantes do movimento sindical. Entre os temas a serem debatidos estão: ordenamento territorial e gestão ambiental; produção sustentável com inovação e competitividade; implantação de infraestrutura para o desenvolvimento sustentável; inclusão social e cidadania.
Participam do seminário dirigentes nacionais do PT, dirigentes e lideranças estaduais do PT dos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins; dirigentes e lideranças da CUT e do CNS; parlamentares, prefeitos e governadores do PT; e lideranças petistas dos movimentos sociais. Todos os participantes do seminário foram indicados pelos organizadores.
Com descontos a partir de 50%, mais de 70 editoras, entre elas a Editora Fundação Perseu Abramo, participarão da III Feira do Livro da Escola de Artes Ciências e Humanidades programada para os dias 13, 14 e 15 de abril (de terça a quinta-feira) das 9h às 21h no vão livre dos auditórios e da biblioteca do campus da USP Leste.
Esta 3ª edição homenageia os 10 anos do Fórum Social Mundial. Na programação cultural estão previstas: 13/4, 19h, a mesa: "Afirmação ou enfraquecimento do discurso único na Economia" com a participação da professora titular da FEA, Leda Paulani; 14/4, às 19h, o debate "Desafios sócio-ambientais do século XXI", com o geógrafo e professor da USP,Aziz Ab'Saber; dia 15/4, às 14h, apresentação da experiência da Escola no último Fórum Social (em janeiro deste ano em Porto Alegre), com os professores da EACH-USP Alessandro Soares e Pablo Ortellado e alunos.
A história do PT em cartazes
Exposição PT 30 anos Cartazes - entrevista com o coordenador da exposição "PT 30 anos - Cartazes" sobre o processo de seleção dos cartazes e sobre a importância dessa manifestação gráfica na história do partido.
A exposição “PT 30 anos, Cartazes” foi realizada pelo Centro Sérgio Buarque de Holanda (CSBH-FPA) para os 30 anos do Partido e contou com uma versão física, de 64 painéis para exposição e uma versão virtual, publicada no portal FPA. Os painéis foram expostos no 4º congresso nacional do Partido, entre os dias 18 e 20 de fevereiro de 2010 no Centro de Convenções Ulisses Guimarães, em Brasília. Responsável pela exposição, Dainis Karepovs fala sobre o processo de seleção dos cartazes entre os 2.025 encontrados que fazem parte desta retrospectiva.
Em quais arquivos foi feita a pesquisa para compor a exposição?
Para a sua realização foi feita uma extensa pesquisa em arquivos, mais especificamente nos acervos do Centro de Documentação e Memória da UNESP (CEDEM) e no Arquivo Edgard Leuenroth da UNICAMP (AEL), em especial os acervos de José Dirceu e Perseu Abramo ali conservados, além, é claro, do Centro Sérgio Buarque de Holanda (CSBH-FPA) e do próprio Partido dos Trabalhadores. É importante destacar que as pesquisas limitaram-se ao Estado de São Paulo em razão do curto espaço de tempo para a realização da pesquisa e da montagem da exposição durante o IV Congresso do PT.
Quantos cartazes foram encontrados nesta pesquisa?
Os números desses levantamentos dão uma dimensão do volume do material levantado. No CSBH-FPA foram localizados 1.010 cartazes, no CEDEM 652, no AEL 212 e no PT encontramos 151, num total de 2.025 cartazes. Apesar do elevado número de cartazes localizados, nos quais encontramos repetições nos arquivos, a nossa pesquisa se deu conta de algumas ausências e por isso também tivemos de recorrer a reproduções publicadas na imprensa do partido e também a algumas iconografias clássicas na história do PT, como, por exemplo, o “oPTei”, criado pelo saudoso publicitário Carlito Maia em 1982, o que elevou em mais 250 imagens o total das imagens levantadas. Enfim, um total de 2.275 imagens selecionadas.
Qual é a importância dos cartaz político para a História?
Este sempre foi um importante elemento no campo da disputa política, especialmente utilizado pelo movimento organizado dos trabalhadores. Na forma como o conhecemos hoje, o cartaz político surgiu na Europa há mais de um século, por volta de 1870. No começo os cartazes, que eram afixados nas ruas que levavam aos locais de trabalhos, davam muita ênfase à palavra e tinham mais o aspecto de listas de palavras de ordem ou reivindicações. Com a adoção de novas técnicas, os cartazes passaram a receber desenhos e ilustrações, que eram muito detalhados e cuidadosamente feitos. Logo em seguida, passou-se a poder imprimir cartazes com mais de uma cor e, no início do século XX, com o crescente desenvolvimento das técnicas artísticas e de impressão começaram a ser empregados a fotografia, a fotomontagem e outros recursos e que acabaram chegando às composições fotográficas influenciadas pelo discurso da publicidade, isso já no final do século passado. Nessa trajetória, que vai da ilustração feita à mão do final do século XIX até as montagens de espírito fotográfico feitas cem anos depois, também é importante chamar a atenção para como a imagem ganhou predominância nos cartazes políticos, cabendo à palavra escrita um espaço cada vez menor, como uma espécie de arremate sintético das imagens. Outra característica importante nesta trajetória centenária do cartaz político é a de como as imagens de massas e grupos anônimos, bem como as de militantes desconhecidos, passaram a dar lugar às imagens e fotografias das figuras de destaque do movimento dos trabalhadores.
É curioso notar que, mesmo em uma escala de tempo bem mais sintética, esta trajetória de um século que se passa em vários pontos do planeta também se reproduz, ao longo dessas três décadas de existência do PT, no conjunto de mais de dois mil cartazes que levantamos. É claro que as diversas possibilidades técnicas disponíveis no momento de sua idealização e impressão fizeram com que estes vários tipos ocorressem simultaneamente e não numa sequência, quase que convivendo lado a lado o cartaz de texto, apenas com palavras de ordem, com o que recebia influência do discurso publicitário.
Em que consistiu o trabalho de montagem da exposição?
A primeira questão a ser resolvida foi a de qual seria o seu tamanho. Trinta anos de história de um partido político como o PT necessariamente colocam um grande número de questões, e a questão do espaço impunha logicamente limites. Assim, decidiu-se que para cada ano da existência do PT haveria dois banners. Um deles reproduziria o cartaz mais significativo daquele ano específico e no outro banner haveria uma sintética linha do tempo, dividida em três partes (dedicadas ao PT, ao Brasil e ao mundo), e seriam inseridos outros cartazes importantes, bem como a iconografia adicional, que seria visualmente separada para evitar que fosse confundida com os cartazes. Assim, com abertura, apresentação e créditos, a exposição, cobrindo os anos de 1980 a 2010, totalizaria 64 banners.
Quais foram as dificuldades encontradas na escolha dos cartazes?
O trabalho mais árduo foi o de levantar as imagens e depois, mais exaustivo ainda, o de sua seleção. Munidos de uma câmara digital, a equipe do Centro Sérgio Buarque de Holanda foi a cada um dos arquivos que mencionamos acima e registrou cada um dos cartazes do PT existentes, inclusive os do próprio Centro. Esta tarefa nos tomou cerca de duas semanas e ficamos outro par de semanas selecionando os 156 cartazes e outros 25 documentos iconográficos (como logomarcas de de encontros e congressos, ícones feitos para os aniversários do partido etc.), num total de 181 imagens, que acabaram reproduzidos na exposição.
Pode-se dizer que foram encontrados todos os cartazes feitos durante os 30 anos do Partido?
Ao se fazer o agrupamento ano a ano dos 2.025 cartazes e das 250 imagens identificados pela equipe do CSBH-FPA notamos várias coisas. A primeira foi a ausência, nos acervos pesquisados, de cartazes que a memória de militantes mais antigos nos confirmou a existência. Tais carências foram supridas com os documentos iconográficos suplementares, como cartazes que eram transformados em adesivos. Outra característica notada foi a da predominância de cartazes procedentes de São Paulo. De um lado, isto pode ser explicado pelos acervos em que pesquisamos, localizados em São Paulo, mas também pelo fato de que, sobretudo nos seus primórdios, vários diretórios estaduais “importavam” os leiautes de cartazes feitos em São Paulo - e muitas vezes até impressos na capital paulista - e que os copiavam ou os “adaptavam” à sua realidade. De qualquer modo, como somos otimistas, isto significa que esses cartazes ausentes hoje fazem parte de acervos pessoais, os quais, cedo ou tarde, serão encaminhados aos mais diversos arquivos existentes pelo Brasil, inclusive o da Fundação Perseu Abramo. Um terceiro fato observado foi um grande número de cartazes de caráter eleitoral, sobretudo de candidatos proporcionais. Uma última constatação importante foi a percepção de que ao longo desse período histórico os cartazes deixaram de ser um meio de expressão predominante na comunicação do PT com a sociedade. Nos últimos anos é notável o decréscimo na produção dos cartazes. Uma das hipóteses para isso é a de que os muros e as paredes em que os cartazes eram afixados, a par da implementação de políticas urbanas de controle da poluição visual, foram trocados pelas telas dos computadores.
O cartaz é um meio de manifestação gráfica que foi bastante utilizado no Brasil. E a exposição "PT 30 anos - Cartazes" mostra isso. O que o expectador pode apreender da exposição?
O exame desse conjunto de milhares de cartazes e a percepção das questões acima nos permitiram ter a certeza de que seria possível, juntamente com as linhas do tempo, fazer uma sintética história do PT. Nela estariam expressas as principais lutas e bandeiras do partido e também se poderia demonstrar como o espectro de seus combates foi-se ampliando ao longo desses trinta anos, e que tomaram forma concreta na própria estrutura do PT, sobretudo através do surgimento de secretarias, setoriais etc. Mais que isso, este imenso acervo iconográfico deixava muito claro que ali estavam não apenas as ideias e as reivindicações de um partido e de seus militantes, mas de todo um país e de como, ao longo dos anos, elas evoluíram. Enfim, este talvez seja provavelmente o principal efeito dessa exposição: fazer com que os que a vêem percebam que não apenas foi o PT e o Brasil que mudaram, mas também, política e socialmente, os seus visitantes e como eles contribuíram para isso.
A exposição física - 64 painéis - foi apresentada no 4º Congresso Nacional do PT, em Brasília. E agora? O que acontece com ela?
Já existem várias demandas para a exibição da exposição “PT 30 anos, Cartazes” pelo país e elas já estão sendo agendadas à medida em que são feitas, tanto por telefone (11-5571-4299, nos ramais, 124 e 125) como por meio do correio eletrônico (memória@fpabramo.org.br). Mas o que nos tem deixado mais entusiasmados é o fato de que vários Diretórios Estaduais nos têm solicitado uma cópia digital da exposição para que possam eles próprios imprimi-la e fazê-la circular nos Diretórios Municipais, num fenômeno de multiplicação que nos tem impressionado.
Por fim, mas não menos importante, é importante destacar duas questões. A primeira é a de que este é um trabalho coletivo que começou com a realização artística do cartaz, a sua impressão, passou pela sua afixação nos muros e paredes do Brasil, continuou com a sua conservação nos mais variados arquivos do Brasil e também aqui no CSBH-FPA. Assim a todos os integrantes deste imenso circuito o nosso agradecimento na confecção, preservação e difusão dessa memória. A segunda é reiterar o apelo a todos aqueles que conservam em suas casas os cartazes do PT no sentido de que, na medida de suas possibilidades, os doem às instituições que têm como objetivo preservar a memória da luta dos trabalhadores do Brasil, inclusive o CSBH-FPA. E, já de antemão, àqueles que o fizerem, gostaríamos de agradecer as doações de seus cartazes ao CSBH-FPA.
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