Bom dia a todos, Senhoras e Senhores.
A Franco Rotelli, de Trieste, representante da maior escola de psiquiatria democrática mundial, precursores sob a liderança de Franco Basaglia e sua Lei 180, da reforma brasileira que aqui nos reúne;
Bom dia Fernanda Nicáccio que nos remete à pioneira experiência de Santos da desconstrução do Anchieta;
Saudação a Rose Silva do Fórum Mineiro de Saúde Mental;
Agradeço a Martha Elizabeth a gentileza do convite para essa palestra e peço que transmita ao Secretário de Saúde de Minas Gerais, Antonio Jorge Marques a elevada honra de estar aqui.
Permitam-me iniciar lembrando dúvida clássica sobre o sentido da vida: o mundo é digno de riso ou de lágrima? Padre Antonio Vieira interpretando lenda grega que envolvia dois filósofos, decidia: ¨Demócrito ria, porque todas as coisas humanas lhe pareciam ignorâncias; Heráclito chorava, porque todas lhe pareciam misérias; logo, maior razão tinha Heráclito de chorar, que Demócrito de rir; porque neste mundo há muitas misérias que não são ignorâncias, e não há ignorância que não seja miséria”.
Uma lei fundadora. Não! Fundadora da lei é o Movimento Nacional da Luta
Antimanicomial e seus fundamentos: humanismo, ciência, técnica, comunidade, afeto, história. Era preciso continuar o trabalho de todos aqueles, profissionais e leigos, que alertas e sensíveis, buscavam reorientar a medicina moderna na direção que aponta para a unidade corpo-espírito e querer, assim, encontrar a origem, a fabricação das doenças orgânicas, físicas e mentais.
Não sou médico, psiquiatra, psicólogo, terapeuta, psicanalista, enfermeiro, assistente social, auxiliar de enfermagem ou gestor. Sou candidato a paciente e enlouquecido quero ser tratado num serviço aberto, o melhor do Caps.
Da Lei 10.216 de 2001 posso dizer o seguinte nessa hora, a partir do que ouço, leio, vejo, escrevo, acompanho e defendo todos esses anos em solidariedade aos que sofrem, trabalham e lutam pela abolição da solidão e do isolamento do doente mental brasileiro.
Cuidado. Como substantivo, adjetivo ou interjeição é zelo dos preocupados, esmero, precaução, advertência para o perigo, vigilância, dedicação, encargo, lida, proteção. Atenção, tomar conta, acolher. Cuidado é o princípio que norteia essa lei. Evoluir a clínica, fazer do intratável o tratável. É essencial o apoio social e familiar que influencie comportamentos, mude hábitos, confronte preconceitos, classificações, nosologia, catálogos de interdições. Dedicada a cidadãos enfermos vistos como sem vontade, liberdade, autonomia porque foram colhidos pelo “mal de viver”. Não é a doença mental que a lei questiona, mas a maneira de tratá-la.
A sociedade cria e recria normas para definir o que rejeita e consagra. Faz-se progressista na área de saúde por atitudes, mais do que por atos. Assim, inscrever o doente mental na história da saúde pública aumentando sua aceitação social, diminuindo o estigma da periculosidade e incapacidade civil absoluta contribui para elevar o padrão de civilidade da vida quotidiana.
A doença mental não é contagiosa, dispensa isolamento. Não pode ser compreendida como estritamente orgânica apaziguada só pela quimioterapia e os remédios. Claro, é o avanço da medicina e da farmacologia que permite a reinserção social, convivência, restituindo o indivíduo, sua alma e desejos, ao mundo dos vivos. A medicina não deve ser carceral para não ampliar a solidão moral do paciente como se sua doença criasse para ele um mundo do não direito.
Acolhimento, tratamento precoce melhoram a evolução e a direção da doença. Agir antes do surto para não ferir, ferir-se, quebrar. Sintomas físicos, queixas, mal-estar, sempre foram indícios de várias enfermidades. Melhorar a escuta geral dos sintomas aparentemente sem importância – dores de cabeça, tremores, dores abdominais, cansaço extremo, falta de ar, agravado pelo embrulho e o ruído da adolescência: álcool, droga, conflito de gerações, esquisitices, vazio existencial, impaciência com o diferente.
Saúde não é ausência de doenças. É um estado geral de bem-estar físico, psíquico e social como bem define a Organização Mundial de Saúde. A doença não é um fracasso. É um evento na vida da pessoa que não cria para ela um estatuto de exilado em relação ao que é ou está normal. É um processo que exige observação tolerante, preservação de direitos. A internação é uma parte do tratamento, mas não seu sinônimo e o conceito de leito, nesse caso, não se harmoniza com a terapia adequada. A medicina da mente e suas galáxias tem que se abrir a uma certa imprecisão e passar a duvidar que cada comportamento corresponda a um medicamento. Há muita depressão na sociedade impaciente com os seus doentes.
A sofisticação do diagnóstico é que relativiza a classificação da doença, eis o paradoxo atual. É preciso modéstia diante do sofrimento. Não é porque não sabe, mas porque sabe que a psiquiatria, psicanálise, psicologia e psicoterapia modernas, baseadas em valores humanos, psicopatologia da experiência, fundam a reforma psiquiátrica. A internação como privação da liberdade, monoterapia, só prevalece em serviços despreparados.
O doente mental é também beneficiário do ambiente jurídico oriundo da Declaração Universal dos diretos do Homem e do Cidadão, como qualquer outro paciente. Seu tratamento não é um ato cirúrgico desde que foi abolida a lobotomia. Só a avaliação permanente do tratamento livra a psiquiatria da ideologia. Não há sucesso médico-terapêutico sem afeto, cultura, história da doença, escuta do sofrimento, subjetividade. Como bem sabia e praticada Dra. Nise da Silveira, precursora da lei.
Como ainda não sabem - mas precisam ser conquistados para esse novo horizonte do saber e da justiça - muitos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público que com desabrida ousadia invadem o saber médico e sanitário, violam a integridade do indivíduo, protegidos pelo preconceito que é a tradição de tutela – ousadia para a qual não teriam coragem em outras áreas da medicina - e imaginando proteger direitos decidem, por verdadeiras cartas régias, mandar internar os incômodos. Assim provocam mais mal, imaginando fazer o bem.
Enfim, para aqueles que ameaçam a evolução do tratamento e buscam legitimidade para suas críticas atravessando com desrespeito os fundamentos humanistas e técnicos da lei , quem sabe assim os tranquilizo:
“Se eu soubesse de alguma coisa útil à minha nação que fosse danosa a uma a outra, eu não a proporia, porque sou homem antes de ser nacional ou ainda porque sou necessariamente homem, não sendo nacional senão por acaso. Se soubesse de alguma coisa que me fosse útil e prejudicial à minha família, meu espírito a rejeitaria.
Se soubesse que alguma coisa que fosse útil à minha família e que não o fosse à minha pátria, buscaria esquecê-la. Se soubesse de alguma coisa que fosse útil à minha pátria e que fosse prejudicial ao meu continente ou que fosse útil ao meu continente e prejudicial ao gênero humano, eu a veria como um crime”. É de Montesquieu o espírito da lei.
Muito obrigado a vocês.
Professor, Deputado Federal
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