"Conhecimento é a mola-mestre da competitividade no futuro", resume o pesquisador Elíbio Rech, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, uma área de fronteira que vem deixando de ser promessa para se tornar realidade no Brasil atual, com o avanço das pesquisas em engenharia genética, química medicinal, biologia molecular e setores afins. A Política Nacional de Desenvolvimento da Biotecnologia, lançada pelo governo em 2007, é ambiciosa: o Brasil teria 15 anos para se tornar um dos cinco principais produtores de pesquisa, geração de serviços e produtos biotecnológicos. Se o plano sair mesmo do papel, será um ganho formidável para a agropecuária, o meio ambiente, a indústria e a saúde.
Mais doutores - Também é de olho nas áreas de fronteira do conhecimento que o Plano de Ação de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional 2007-2010 dá atenção especial não apenas para a biotecnologia, como para a nanotecnologia, o setor espacial e as engenharias. Multiplicar o número de bolsas para formação e capacitação de recursos humanos qualificados, de forma a ampliar e consolidar a base de pesquisa científico-tecnológica e de inovação no País, virou palavra de ordem no governo.
Temos hoje cerca de 120 mil doutores - 62 mil atuando em centros de pesquisa. "Já é um salto enorme. Em 2000, por exemplo, tínhamos pouco menos de 28 mil doutores em grupos de pesquisa. Mas é um número ainda bem acanhado em comparação com o dos países em desenvolvimento", avalia o diretor do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), José Roberto Drugowich. A estatística não deixa dúvidas: o Brasil tem menos de um doutor para cada mil habitantes; países como Estados Unidos, Alemanha e Japão têm cerca de cinco.
"Há cursos de altíssimo padrão no Brasil. O problema é que o jovem parece estar desinteressado pela área científica, provavelmente por questões salariais", alfineta o pesquisador Elíbio Rech, da Embrapa. "Hoje não tem doutor desempregado no País. E, daqui para frente, as empresas vão precisar cada vez mais desse tipo de profissional", afirma Drugowich.
Se depender do CNPq, diz ele, o Brasil deve dobrar o atual número de doutores nos próximos dez anos. O conselho concede cerca de 10 mil bolsas de doutorado por ano - hoje são 8.797 no País e 399 no exterior, além de 1.317 bolsas de pós-doutorado e 10.452 bolsas de mestrado. Isso sem falar nas mais de 25 mil bolsas de iniciação científica e nas quase 3,5 mil de iniciação tecnológica e industrial, entre outras iniciativas de apoio à pesquisa científica e à formação de pesquisadores.
Se o incentivo vale para todas as áreas de conhecimento, são as engenharias e as ciências da computação que levam a maior fatia do bolo: 20% de todas as bolsas de mestrado e doutorado do CNPq. É para essas áreas também, segundo Drugowich, que é direcionado um montante ainda maior de bolsas da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão ligado ao Ministério da Educação - cerca de 5,4 mil bolsas de doutorado e mestrado. "O número de bolsas para engenharias e ciências da computação está crescendo na ordem de 15% ao ano", garante o diretor do CNPq.
A vez da engenharia - Não é para menos. Duas décadas e meia de estagnação econômica reduziram de forma drástica a demanda - e, consequentemente, a oferta - de engenheiros no país. A profissão foi ainda mais desvalorizada com a precariedade do ensino de física, química e matemática nas escolas. Hoje, com a retomada do crescimento, o mercado se vê às voltas com um gargalo sem tamanho: a falta de mão de obra especializada para tocar projetos de construção civil, siderurgia, metalurgia, automação, telecomunicações, petroquímica e tantas outras áreas da engenharia. Setores mais novos, como os da cadeia de petróleo, gás e biocombustíveis, são os que mais sofrem com a escassez desses profissionais.
Em 2006, tínhamos seis engenheiros para cada mil pessoas economicamente ativas. Nos demais países em desenvolvimento, essa proporção é de 12 a 24 por mil, e nos Estados Unidos e outros países desenvolvidos é de 18 a 30 por mil. Formamos hoje pouco mais de 23 mil engenheiros por ano, enquanto a Coreia do Sul forma cerca de 80 mil, e a Índia, 200 mil.
Quem apresenta os números é o presidente do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea), o engenheiro Marcos Túlio de Mello. Ele é taxativo: "Sem engenheiros qualificados, não há como implementar nenhum projeto de desenvolvimento nacional. O Brasil precisa dobrar o atual número de engenheiros para garantir um crescimento econômico da ordem de 5% ao ano. E precisa triplicar esse número se quiser ter o mínimo de competitividade no cenário internacional".
Estudo feito pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), em parceria com o Confea, deixa claro o potencial do mercado: as demandas do setor mineral impulsionam a engenharia de minas; o crescimento da indústria de produtos alimentícios, a engenharia de alimentos; a engenharia civil passa por um momento extremamente positivo com o PAC; o crescimento econômico também exige cada vez mais mão de obra especializada em engenharia elétrica e de telecomunicações; a engenharia ambiental ganhou novo status com as modernas exigências de desenvolvimento ecologicamente sustentável; e a engenharia mecatrônica está diretamente ligada às demandas de inovações tecnológicas.
O estudo também destaca o papel estratégico dos profissionais de tecnologia de informação em todas as áreas empresariais, assim como o espaço crescente reservado a técnicos e tecnólogos em geral.
"A carência de pessoal é tão grande que a área siderúrgica intensificou a busca por profissionais aposentados ou fora da área para uma atualização profissional. A Vale do Rio Doce contratou 7 mil bolsistas para formar a própria mão de obra. A Petrobras também lançou um programa especial de formação de mão de obra. E olha que isso foi antes do pré-sal", comenta Marcos Túlio de Mello.
Mercado exigente - Não é à toa que engenheiros recém-formados já saem da faculdade com propostas de emprego com salário na faixa dos R$ 4 mil; os mais especializados, segundo dados do Confea, pularam de uma faixa salarial de R$ 8 mil para até R$ 25 mil mensais. É só batalhar um diploma em qualquer faculdade para garantir um salário desses? Não é bem assim, alerta o presidente da entidade. A qualidade da formação é fundamental. E esse é outro problema considerável: apenas um terço dos engenheiros brasileiros teria nível de qualificação adequado; um terço teria qualificação média e o outro terço, muito precária.
"São os bons profissionais que garantem competitividade no mercado. O Brasil tem áreas de excelência, como na siderurgia e na tecnologia de aeronáutica, mas é muito precário em outros setores. Na construção civil, por exemplo, precisamos dar um salto de qualidade. Estamos longe da concepção de construção sustentável que o mundo exige hoje", avalia Marcos Túlio de Mello.
O estudo da CNI também deixa claro que formação não é o único critério exigido pelos empregadores. Na hora de selecionar os profissionais, eles dão preferência a quem tem liderança e capacidade de solução de problemas, espírito de equipe, iniciativa e disposição para aprender novas tarefas. Facilidade de comunicação, vontade de crescer na empresa e facilidade de adaptação a situações novas também contam pontos preciosos.
O mercado está mesmo cada vez mais exigente. E não só em relação a profissionais de nível superior, mas também a quem disputa uma vaga de nível médio ou técnico. Nessa corrida por maior qualificação, investir em educação é medida obrigatória. Formar, capacitar e reciclar professores é fundamental, principalmente quando se leva em conta que 600 mil dos 1,8 milhão de docentes brasileiros não têm diploma de curso superior. Outros 127 mil têm apenas bacharelado. Os dados são do Ministério da Educação.
Formação de professores - Para mudar esse cenário, o ministério lançou, em maio deste ano, o Plano Nacional de Formação de Professores, numa parceria com as secretarias estaduais e municipais de educação e uma rede de universidades públicas. O objetivo é oferecer 330 mil vagas em cursos superiores para docentes da rede pública. O novo plano se soma à Rede Nacional de Formação Continuada de Professores, criada em 2004 para melhorar a formação de professores, diretores e gestores de escolas, e à Universidade Aberta do Brasil, lançada em 2006 como sistema nacional de educação superior a distância para formação inicial e continuada de professores.
"Existe uma grande carência de docentes, especialmente nas áreas de matemática e ciências. Estamos desenvolvendo uma política focada para motivar os jovens nesse sentido e para formar esse tipo de profissional de maneira qualificada. O professor bem formado vai garantir uma educação básica de muito mais qualidade", afirma a secretária de Educação Superior do ministério, Maria Paula Dallari Bucci. O desafio é complicado: um bom professor, avaliam os especialistas, não deve ter apenas formação específica; ele precisa ter formação como educador e desenvolver uma visão mais ampla e crítica da escola e da sociedade.
O Censo de Educação Superior de 2007 registrou 2.281 instituições do gênero no Brasil, com 23.488 cursos e 4.880.381 estudantes. Um número ainda reduzido, apesar da explosão de instituições privadas ocorrida a partir de meados da década de 1990. Estamos longe de ter pelo menos 30% dos jovens entre 18 e 24 anos na educação superior, meta traçada para 2011 pelo governo federal - esse índice hoje gira em torno de 23%.
"O Brasil precisa expandir a educação superior, mas com qualidade e consciência, inclusive em relação à direção dessa expansão", pondera Maria Paula Bucci. Ela afirma que os cursos de nível superior têm passado por uma peneira fina de controle de qualidade desde 2004, com a instituição do Sistema Nacional de Avaliação de Educação Superior. Na área de pedagogia, por exemplo, 20 cursos já foram desativados este ano; na de medicina, sete precisam ser adaptados até dezembro próximo para continuarem funcionando; 89 cursos de direito estão sob supervisão rigorosa do ministério.
Nível técnico - A preocupação com a qualidade do ensino e a capacitação profissional é a mesma na área de negócios e na área técnica. Mesmo com o bom momento do mercado de trabalho brasileiro, nossa taxa de desemprego ainda ronda a casa dos 8%. As vagas são para os melhores. Os profissionais precisam ser multifuncionais, ter habilidade para trabalhar em equipe, agilidade e capacidade de gerar valor agregado ao produto.
Não basta, como antigamente, ter uma habilidade específica, avisa o diretor de formulação de políticas de educação profissional e tecnológica do Ministério da Educação, Luiz Augusto Caldas: "O mundo do trabalho hoje é bem mais complexo e mais intenso quanto à incorporação do uso da ciência e da tecnologia. Os processos não são mais rotinas que se repetem, e as funções pedem mais formação científica e geral".
Para se adaptar a essa nova realidade, o perfil dos cursos profissionais no Brasil passou por uma mudança radical a partir de 2003 - e isso inclui a rede de ensino profissional pública e a rede privada, além das escolas do chamado Sistema S. Segundo Caldas, essas instituições já estão em sintonia com as demandas do mundo do trabalho. O grande desafio é ampliar a oferta.
"Temos hoje cerca de 900 mil estudantes matriculados no ensino técnico; nosso objetivo é chegar a dois milhões ou mais até 2013", relata o diretor. A Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica aposta no Programa Brasil Profissionalizado - que prevê aporte de recursos financeiros e apoio técnico aos estados para ampliação da oferta de educação em nível técnico - e na ampliação da rede federal, que deverá pular das 220 unidades atuais para 354 até o fim do próximo ano (em 2002 eram 140 instituições federais).
O programa Escola Técnica Aberta do Brasil, que oferece ensino técnico profissionalizante a distância em periferias dos grandes centros urbanos e municípios sem cursos técnicos, é outro trunfo da Secretaria. Criado há pouco mais de um ano, ele já beneficiou 23 mil estudantes e deve abrir outras 150 mil vagas em 2010. Caldas ressalta, também, o acordo com a CNI e a Confederação Nacional do Comércio (CNC) para ampliar a gratuidade da formação profissional oferecida pelo Sistema S. E, ainda este ano, deve ser lançada a Rede Nacional de Certificação Profissional e Formação Inicial Continuada, cujo público alvo são milhões de trabalhadores que têm conhecimento prático, mas ficam à margem das oportunidades do mercado por falta de qualificação e certificação.
"Um profissional técnico com qualidade, na linha do que o mercado precisa, é extremamente valorizado como trabalhador atualmente", comemora Caldas, listando alguns dos setores onde há maior demanda: construção civil, por conta das obras do PAC e do programa Minha Casa Minha Vida; mineração; petróleo; produção de alimentos; informática; metalurgia; turismo, hospitalidade e gastronomia, que serão ainda mais impulsionadas com a Copa do Mundo e as Olimpíadas.
Inclusão social - Ciente de que a qualificação profissional é o melhor caminho para a inclusão social, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) também trata de conquistar espaço para os beneficiários do Bolsa-Família. "A ideia é quebrar o ciclo de reprodução da pobreza - o filho de pobre e neto de pobre que vai ser pai e avô de pobre", explica o secretário de Articulação Institucional e Parcerias do MDS, Ronaldo Garcia.
Uma das ações é investir num acordo com universidades federais e institutos federais de educação tecnológica para capacitação profissional e assistência técnica, gerencial e jurídica a projetos de inclusão produtiva voltados para os beneficiários do Bolsa Família. Outra é desenvolver programas de qualificação em setores estratégicos, com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador. Nessa linha, o MDS criou, em parceria com a Câmara Brasileira da Indústria da Construção, um programa de qualificação em construção civil para beneficiários do Bolsa Família. Com o Ministério do Turismo, trabalha na formação de auxiliares de cozinha, camareiros, mensageiros e outras atividades ligadas à hospedagem e alimentação.
Nos dois casos, os números ainda são modestos: 175 mil vagas. Mas o secretário lembra que, dos cerca de 60 milhões de beneficiários do Bolsa Família (quase 12 milhões de famílias), apenas 3,2 milhões têm quarta série do ensino fundamental completa e mais de 18 anos, condições básicas para ingressar nos cursos de qualificação. Ressalva, também, que boa parte já trabalha e não dispõe de tempo para um curso profissional. "Há ainda o caso de muitas mulheres que não têm com quem deixar os filhos para se capacitar. Infelizmente, a cobertura de educação infantil ainda é muito baixa no Brasil", lamenta.
O MDS também aposta numa parceria com a Petrobras, que tem um programa especial de capacitação de trabalhadores para a cadeia do petróleo e do gás - em 2009 foram 40 mil vagas só para trabalhadores de nível fundamental e médio. O papel do governo é oferecer reforço educacional para o público do Bolsa Família ter melhores condições de disputar as bolsas da Petrobras. Os resultados deixam o secretário do MDS animado: 70% dos beneficiários que fizeram o curso de reforço atingiram a linha de corte do processo seletivo da empresa.
Caldas resume, em poucas palavras, o esforço do governo: "Queremos abrir uma porta de entrada na cidadania, no mercado de trabalho e no mundo produtivo. Mas o mercado de trabalho é cada vez mais seletivo e essas portas ainda são muito pesadas".
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